sábado, 31 de janeiro de 2009

Dona Elenita e o Grapiúna


Dona Elenita na porta do Grapiúna

Elenita Moreira é a proprietária do hotel mais famoso de Monte Santo. Sem exageros, o Hotel Grapiúna é conhecido no mundo todo por sua hospitalidade - sim, senhoras e senhores, Monte Santo é uma cidade conhecida mundialmente, por conta de toda sua importância religiosa-histórico-cultural-místico-sertanejo-natural. Sua fascinante vista, do alto da Serra da Santa Cruz, encantou e encanta qualquer pessoa que chegue até lá.
Além disso, foi lá que Glauber Rocha filmou Deus e o Diabo na Terra do Sol, e por isso, é frequentemente visitada por cinéfilos e amantes da cultura brasileira. Lampião e seu bando descansaram várias vezes embaixo da sombra de tamarineiros - árvores que já não se encontram na praça há vários anos.
Dona Elenita me falou sobre Glauber: "Era baixinho, e não parava nunca. O tempo todo estava fazendo alguma coisa. Eu o via sempre ali, sentado bem no meio da praça, embaixo de uma árvore, com um caderno grande de capa preta, escrevendo sem parar. Quando ele parava de escrever pra tomar um café ou fumar um cigarro, e alguém perguntava a ele por que ele escrevia tanto, Glauber respondia que suas idéias eram muitas e não cabiam em sua cabeça, então ele tinha que sempre colocar aquelas idéias para fora. Era uma pessoa amorosa, carinhosa e muito inteligente. Amava e conhecia o povo como poucos. Todos os que o conheceram e trabalharam no filme lembram de Glauber Rocha com muito carinho".



O Circo do Asfalto também se hospedou no Grapiúna

Durante as filmagens de Deus e o Diabo, Elenita teve um namorico com Maurício do Vale, ator que interpretou o papel de Antonio das Mortes no filme. Ela me mostrou as fotos autografadas que ganhou de Maurício na época do filme.


A foto autografada por Maurício do Vale, em 1963

Elenita comanda o Hotel Grapiúna desde 1973. O nome do hotel foi sugerido por um cabalista a partir de um esquema numerológico.
Fui em busca dos registros da minha primeira hospedagem no Grapiúna, junto com meu amigo Zé Ronaldo, mas infelizmente os registros da época em que ficamos aqui se perderam.
O hotel é a vida e a obra de Elenita, e com toda certeza, um dos lugares mais aconchegantes e mágicos que conheci durante a viagem.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Um pouco mais de Monte Santo


A Igreja da Santa Cruz, no alto da Serra do mesmo nome, em Monte Santo, Bahia.

No dia em que cheguei em Monte Santo, estava realmente com grande expectativa a respeito do que seria este reencontro. Fui recebido com chuva, coisa que não acontecia há vários dias - na verdade, em Feira de Santana, choveu um pouco, também.
A cidade, por motivos já relatados em post anterior, sempre foi importante para mim.
A subida da Serra da Santa Cruz, pela dificuldade e por sua simbologia, ornada por milhares de passos de milhares de pessoas em centenas de anos, assume uma dimensão mística, comparável a percorrer a Via Sacra em Jerusalém, a Muralha da China ou ir à Meca.
Realmente, não é nada fácil percorrer os 3 mil metros entre o pé e o alto do morro. Todo o caminho foi esculpido no veio da montanha, composto por uma pedra calcárea, o que faz pensar sobre a dificuldade dos que trabalharam na obra de construção da Via Sacra.
Antonio Conselheiro, à época de suas pregações e peregrinações antes da Guerra de Canudos, reuniu seu séquito e fez uma reforma no caminho, erguendo uma mureta que orna a primeira parte da subida - extremamente íngreme. Seu trabalho não foi concluído, devido aos primeiros ataques do exército contra o Belo Monte.
A Via Sacra da Serra da Santa Cruz abrigava duas imagens, do Senhor Bom Jesus dos Passos e de Nossa Senhora da Conceição. As imagens vieram junto com o frei capuchinho Antonio de Toddi, que ergueu o caminho em 1775, e provavelmente tinham mais de 300 anos. Possuíam cabelos naturais e olhos em vidro, e foram esculpidas em tamanho natural. Eram duas obras raras, pertencentes ao patrimônio histórico nacional. Em 2003, as imagens sofreram um ataque de vândalos e foram queimadas. Provavelmente, trata-se de um caso de intolerância religiosa, mais uma triste página de nossa história de esquecimentos.
É irônico pensar que a casa onde a Guerra de Canudos começou tenha sido derrubada, em Uauá, que a cidade velha de Canudos tenha sido inundada pelo açude de Cocorobó e que as imagens do Monte Santo tenham sido queimadas por vândalos.
No post que segue, estão algumas imagens da cidade que não foram postadas anteriormente.



Cheguei em Monte Santo e fui recebido pela chuva


Um pequeno detalhe da subida da Serra da Santa Cruz


A cidade, vista do alto, de dentro de uma capelinha


A mesma capelinha


A subida é toda ornada pela paisagem da caatinga


Seu Manoel mora sozinho e recebe os visitantes: "Nunca deixei de vender água aqui"


Enquanto Antonio é o responsável por abrir a igreja, todos os dias, pela manhã

A recompensa pelo esforço é uma vista ampliada do sertão


O que restou das imagens de Monte Santo, após um ataque de intolerância religiosa que destruiu parte de nosso patrimônio histórico.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Para que fosses nosso, ó mar!

Imagens e palavras que ficaram por falar I

As imagens que seguem remetem a um dia delicioso, quando pude compartilhar com minhas amigas Tamara e Solana um daqueles momentos eternos da vida. Um instante no tempo, agora congelado pelo olhar de um fotógrafo amador, um sujeito que não deixou de acreditar naquilo que sempre acreditou: solidariedade, fraternidade, amor, lealdade.

Aos amigos e amigas e também àqueles que porventura descubram este modesto blog e nele possam reconhecer também seus sonhos e ideais, dedico as imagens que seguem como um momento poético, para mim de profundo significado, em que eu expressei uma parte profunda de mim mesmo.

Sinto-me, hoje, renascido e, pela primeira vez em muito tempo, consegui acreditar novamente de maneira profunda em mim mesmo e nos meus ideais. Obviamente, não proclamo a pureza da alma nem a perfeição dos atos - mas compreendo que o caminho, às vezes pedregoso, pode sim ser recheado pelo perfume das rosas que adornam os espinhos da vida.

NO PELÔ


Encanta-me o Sincretismo da Bahia


Cosme e Damião


Minha querida amiga Sol com uma simpática senhora


Descãosando


Mulher rendeira



Uma sequência, durante meu café da manhã de despedida do Laranjeiras, por Tamara Smerling


Yo y Tamara

Haverá vida pós-viagem?

É difícil aceitar, mas estou em casa. Depois de exatos 30 dias on the road, voltei à Princesinha dos Campos, apenas para constatar aquilo que me é óbvio: vou ter que me concentrar para que os resultados da intensidade da Grande Viagem à Salvador, Recôncavo Bahiano e Sertão se transformem em algo vigoroso, prático, sintético, e que possa me ajudar a construir as pontes necessárias para que meu trabalho frutifique.
Na verdade, após um período de indecisão sobre voltar ou não, admiti a mim mesmo que, assim como cumpri cada um dos meus propósitos naquela viagem maravilhosa, eu também deveria cumprir o propósito de voltar e de maneira coerente, botar em prática a maioria das idéias e sonhos que venho acalentando há tanto tempo e que depois dos intensos momentos e aventuras vividos por vontade própria, se tornaram não apenas necessários, mas pautáveis, possíveis, urgentes. Amigos: estou curado e me sentindo cada vez mais eu mesmo, livre, sincero, intenso e fiel aos meus princípios.
Foi com grande alegria construi este blog. Acredito que encontrei forma adequada de escrever, algo que eu vinha procurando desde os outros blogues que eu alimento, os Instantâneos do Samba e as Aulas do Andrezão. No ano passado, a coluna que publiquei num periódico de Ponta Grossa foi o embrião desta idéia, que por fim se concretizou.
Foi só a partir da viagem que eu consegui compreender, primeiramente, minha necessidade de escrever livremente, sem amarras, e também que isso é possível através da maneira como tenho publicado o Caldo de Cana. O escritor crê na valia do que escreve e eu não tenho medo de me expor.
Muitos escritores, no passado, se dispuseram a descrever relatos, sentimentos, impressões, de maneira livre, sem os compromissos da temática pautada a uma visão editorial. A diferença é que no século XIX você precisaria ser um José de Alencar para que sua coluna "Ao correr da pena" tivesse relevância e espaço para publicação.
No ano 2009, apesar de toda a loucura em que se encontra nosso belo e índigo planetinha, temos a vantagem da net. É claro que eu não vou me comparar ao Patriarca das Letras Nacionais, mas estou ciente de que não escrevo apenas para mim mesmo ou para meus amigos. A rede que une os blogueiros do mundo nos faz ora peixes ou pescadores, e estou certo de que ao menos aqui é possível escrever livre de quaisquer constrangimentos editoriais- e como disse o Tom Zé, "penso, que pena que seja pouco". Ainda assim, essas palavras e desejos não são menos do que sinceros.
A idéia é continuar com o Caldo de Cana. A viagem está dentro de mim, e é com este espírito que eu pretendo dar vasão às palavras, situações, comentários, imagens que eu venha a escrever aqui. Escrevo porque é preciso escrever.
Vou publicar algumas imagens e fazer alguns comentários deste post-viagem, coisas que ficaram por falar, nos próximos dias. Depois, pretendo falar das coisas que eu vejo. Não há dúvida que a viagem nos faz aumentar a perspectiva, e hoje eu vejo a "realidade" que me rodeia com olhos nunca mais iguais aos que eram antes de eu haver partido.
Aos livros, filmes, músicas, imagens que me incitaram a tal posição, veneração e o anseio que minhas palavras possam ajudar a levá-los a outros e outras leituras e leitores. Aos meus heróis, as flores. Aos meus amigos sinceros e amores verdadeiros, amor e lealdade.
Caldo de Cana continuará!

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Uauá, a terra dos pirilampos


Uauá sempre foi uma surpresa para mim. Da primeira vez que lá estive, tudo o que eu sabia era que ali havia começado a Guerra de Canudos. A história da Guerra conta que o Conselheiro havia comprado e pagado adiantado umas madeiras para reformar a Igreja do Belo Monte. Porém, o dono da loja, malcomunado com os latifundiários e a Igreja Católica, não entregou o produto, esperando pela reação dos canudianos. Conselheiro e seu séquito vieram de Canudos buscar o que era seu de direito e foram recebidos à bala pela volante. O que a polícia de Uauá não esperava, entretanto, era a violenta reação do povo, que em nome da fé em seu líder sebastianista e monarquista, afugentou a polícia de Uauá. As autoridades, temerosas, enviaram telégrafo à capital informando que um bando de fanáticos contra a igreja e a república provocaram um conflito - a primeira mentira desta infâmia, que contaminaria o país numa campanha "civilista", depois desmentida pel'Os Sertões de Euclides, os filmes de Glauber Rocha e a obra do mestre José Calasans Neto.
O que aconteceu, então, a história registrou como uma das mais sangrentas e desproporcionais reações legalistas de todos os tempos: 15 mil mortos num genocídio patrocinado pelo Estado e levado à prática por um exército sanguinário, composto de soldados de todas as partes do país - quase todos com uma idéia distorcida do que lá acontecia, como toda a opinião pública da época. Detalhe: dos 15 mil mortos, a maioria era composta de crianças, suas mães e velhos. Semelhanças com a Palestina de hoje? Ou será que a frase do velho Marx, que diz que a história só se repete como farsa, faz cada vez mais sentido? Para conclusões, leiam Os Sertões, Darcy Ribeiro, Mário de Andrade, poesia de cordel, ouçam Chico Science e assistam aos filmes de Glauber Rocha e viajem pelo Sertão.
Até 2001, a casa onde a guerra havia começado estava em pé. Inexplicavelmente, foi abaixo, ao que parece numa disputa de família que pôs fim a uma página viva da História do Brazyl. Não deixa de ser sintomático que a casa em que a guerra de Canudos começou não exista mais (o que há no lugar é um terreno baldio), que Canudos antiga esteja debaixo das águas do açude de Cocorobó, obra do governo militar (para voltar à tona, na época da seca, como que se confirmasse a prédica do Conselheiro "O Sertão vai virar mar e o mar vai virar Sertão"), e que se tenha botado fogo nas imagens sagradas do Senhor Bom Jesus dos Passos e de Nossa Senhora da Conceição, em Monte Santo. Nossa história, manchada de sangue e infâmia, é mais uma vez maculada pela ignorância dos homens e a petulância dos governantes.
Na língua indígena, Uauá significa "pirilampo". E de fato, a cidade brilha. Brilha de dia, com o sol forte do sertão, cuja luz faz um contraste fantástico com a terra arenosa e a vegetação espinhenta, composta de cactus como faxeiro, mandacaru, cabeça de frade, palmas do inferno, e árvores como o umbuzeiro e suas folhas e frutos adocicados, a frondosa caraibeira, as vermelhas siriguelas, a traiçoeira favela, o dolorido cansanção. À noite, o famoso "luar do sertão" se impõe e produz um brilho branco, tênue, que confunde a alma e dá asas à poesia.
Uauá brilha em seu povo: uma das grandes alegrias da minha vida foi haver reencontrado o patriarca da família Varjão Damasceno, seu Turíbio, 97 anos de lucidez, e também seus filhos e netos: dona Judith, suas irmãs Eugênia e Lurdes, o genro seu Maninho, as netas Sandra e Silvinha, os netos Marcelo e Márcio. Rever os velhos amigos e surpreendê-los, assim como eles também me surpreenderam - disseram que não acreditavam que eu voltaria algum dia. Sete anos se passaram... E pensar que tudo isso começou por causa de um jegue! (Esta história eu conto outro dia).
Também revi Gorete, dona do bar mais animado de Uauá, o Brida's, e lá pude abraçar a doce Kiara e seu filho, travar conversas profundas com Jorginho, seu irmão, e fazer novos amigos, José Luis, Alexandre e Rodrigo, que me deram carona até Feira de Santana, só para eu poder assistir ao luar mais lindo de toda minha existência.
Também conheci o poeta e cantor Cláudio Barris, que com sua música contemporânea sintetiza o que há de mais tradicional da verve sertaneja.
Uauá brilha. Minha alma também.
Conheçam os Sertões, pois lá está nossa alma ancestral, e ainda é possível ver as cabezas cortadas de Antônio Conselheiro, Lampião e Maria Bonita, Corisco e Dadá, Glauber Rocha, Euclides da Cunha pairando no céu com diamantes, e lá no alto, se pode avistar o cadáver infame de Moreira César, como para dizer que o sertão não se renderá jamais a uma estética ou uma ideologia que não seja gerada em suas próprias entranhas.
VIVA O POVO BRAZYLEYRO.
(é claro, as fotos postarei depois).

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Em Canudos


Uma igrejinha no meio do sertão

Estou hospedado no mesmo lugar em que fiquei em 2002: a pensão de dona Coló. Uma casa simples com diária por módicos R$ 8,00.
Hoje, acordei cedo e fui à feira. Comprei castanhas de caju e um chapéu de jibão, já que meu último não sei onde foi parar. A feira tem de tudo, frutas, cereais, roupas, plásticos, produtos de primeira necessidade, carnes frescas vendidas ao sol, sem qualquer refrigeração ou higiene, tapioca, quebra-queixo, e muita gente circulando.


Meninos da Feira em Canudos


Os temperos da feira

À tarde, fui ao Memorial de Antonio Conselheiro e ao Parque Estadual de Canudos. O memorial está em reformas, mas eu pude tirar uma foto da escultura do Conselheiro. O parque, administrado pela Universidade do Estado da Bahia, tem uma estrutura precária, que se resume à área de preservação, um portal na entrada e algumas placas. Nenhum centro de visitação, nenhum guia, nenhum guarda.

Adauto, meu guia pela caatinga

Entretanto, não deixa de ser emocionante observar a região em que a Guerra aconteceu. Ao ler a última página dos Sertões, exposta na entrada do parque, eu fiquei sinceramente emocionado, pois penso que assim como o genocídio se instaurou aqui em Canudos apenas para que o orgulho ferido da República se vingasse de um bando de famélicos, e para isso lançaram mão da mais alta tecnologia, utilizada contra um povo que não dispunha de nada a não ser a certeza de que estavam lutando por eles mesmos, hoje, Israel comete um genocídio parecido contra os palestinos. Matam velhos, mulheres e crianças, covardemente, numa guerra de extermínio como foi a Guerra de Canudos.
Na volta, chorei sinceramente ao observar a paisagem sertaneja e pensar nesta loucura que é o mundo -e que sempre foram os homens.
Mas Conselheiro continua vivo. Assim como o Povo Palestino sobreviverá à esta infâmia genocida imposta pelos poderosos fascistas.
Allah Akbar.


No Parque Estadual de Canudos, sentindo-me livre como um anu vermelho

Infelizmente, não consigo postar as imagens. As conexões são muito precárias e lentas aqui, de modos que assim que eu tiver acesso a uma conexão mais ágil, eu faço um post especial com as imagens desta viagem.
Amanhã cedo, vou a Uauá e domingo, volto a Salvador, para pegar o avião para casa.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Imagens da Via Sacra de Monte Santo


A vidraça colorida do Grapiúna

A subida é da Serra de Santa Cruz é íngreme e tortuosa, mas vale a pena. Monte Santo é o segundo destino dos romeiros do Sertão - fica atrás de Juazeiro do Norte, onde está a estátua do Padre Cícero Romão. A cidade histórica vem sofrendo muitas alterações ao longo dos anos: suas casas antigas vão ao chão, a praça foi totalmente alterada.
Já haviam derrubado os tamarineiros onde Lampião descansou com seu bando, e agora, retiraram as mandacarus que ornavam a estátua do Conselheiro. Sem sentido e sem motivo, já que a mandacaru é o símbolo mais evidente do Sertão.

Apesar da burrice dos nossos governantes, Monte Santo ainda tem Por que os políticos são tão estúpidos?muitas belezas. Talvez a principal delas seja seu povo, simples mas ciente de sua história e da importância da cidade para a História e a cultura brasileiras.

O início da subida, na Rua dos Passos da Santa Cruz


O caminho começa íngreme

Em termos cinematográficos, muitas foram as produções realizadas aqui. As duas principais películas realizadas no Brasil foram rodadas em Monte Santo: Deus e o Diabo na terra do sol, que deu a Glauber Rocha o prêmio de melhor diretor em Cannes, em 1964, e O pagador de promessas, de Anselmo Duarte, até hoje o único filme brasileiro a receber a Palma de Ouro do mesmo festival.


E segue por três longos quilômetros.


O tempo todo acompanhado por Conselheiro, Glauber e Euclides

Fôlego, disposição e fé


Até chegar aos Píncaros da Glória (aqui, ao lado dos guardiães do templo)

Pretendo escrever ainda sobre Dona Elenita, dona do hotel Grapiúna, e suas histórias, em especial a época em que ela presenciou a produção de Deus e o Diabo e teve um affair com Maurício do Vale. Também falarei sobre a bela Neuzete, seu braço direito, uma moça inteligente e bonita, que ajuda em todas as tarefas do Grapiúna - hotel de renome internacional.
Por enquanto, vamos às imagens da subida do morro.
Estou em Canudos, e amanhã vou a Uauá, e na segunda, acaba minha aventura pela Bahia.
A conexão é precária e lenta, como sempre.
Talvez eu consiga postar outras imagens, mas agora estou sem a menor paciência. Porém, dá pra saborear um pouco da vista e da aventura.
Um abraço a todos.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Monte Santo, Serra da Santa Cruz

Observo a vista exuberante dos Sertões, sempre tão propagada por cineastas, literatos, fotógrafos, etnógrafos, antropólogos, historiadores. Penso em Glauber Rocha. Seu filme foi uma semente plantada por um Deus e um Diabo, e foi essa florada que me trouxe de volta até aqui pela segunda vez depois de sete anos. A subida íngreme e tortuosa de 3 quilómetros e meio exige bom preparo físico. Serve como exercício de paciência e metáfora da vida. As rochas estão aqui há milhares de eras, a mão do homem apareceu para esculpir o caminho há pouco mais de 300 anos. A Via Sacra tem sido a única testemunha dos sacrifícios, orações, martírios, promessas, genocídios, imolações, transformações que por aqui passaram durante todo os últimos 3 séculos. Isso tudo aconteceu durante a nossa recente, mas nem por isso desinteressante, história do Brazyl. Do alto desta Serra da Santa Cruz,o coronel Moreira César, considerado por anos como o "grande estrategista" do exército imperial e depois republicano, saiu soberbo para ser eliminado de forma ridícula para um militar de sua patente, com um tiro certeiro na nuca, de uma espingarda de pederneira ou bacamarte, atirado por um jagunço que pelo coronel era considerado um "fanático", "sub-raça", "inimigo". As consequências deste tiro foram muito além da humilhação do orgulhoso exército republicano por uma corja famélica de fanáticos. O exército e a república, que viram mártir seu grande comandante, não hesitaram em realizar o maior genocídio da história republicana do Brazyl, que significou a aniquilação total do sonho do Belo Monte, com a degola de 15 mil pessoas às margens do rio Vaza-Barris.
Passados mais de 100 anos daquela infâmia, me parece ainda que o maior legado da estúpida Guerra de Canudos é justamente a marca registrada da burocracia republicana, que possui como característica a incompreensão segregacionista e sectária, fonte das divisões da sociedade contemporânea - assim como no passado também o foi.
Monte Santo e eu estamos diferentes. Sete anos depois, o que vi foi uma cidadezinha incrustrada aos pés de uma serra, quente, esperando sempre por aquilo que governantes néscios creem ser o "progresso", e que na prática significa construções bizarras em constraste com a arquitetura colonial e sertaneja, que põem fim ao passado sem ao menos tentar compreendê-lo. Queimaram as imagens centenárias do Senhor Bom Jesus dos Passos e de Nossa Senhora da Conceição. Essas imagens estavam aqui desde 1775 e vieram de Portugal com o jesuíta que ergueu a Via Sacra, portanto é possível que tenham mais de 4 séculos.
A foto mais bonita que eu tirei em 2002, das crianças sorridentes na porta azul de uma casa no início da Via Sacra, ainda não chegou ao seu destino - as pessoas fotografadas.
Perguntei a um jovem chaveiro vizinho por onde andavam as crianças e ele me disse que "se perderam". Então, toda inocência terá se perdido? A minha também? Será que aquela imagem não terá passado de mero sonho, suspiro, lampejo, anseio por vida verdadeira e um país de verdade?
Sinto-me como um velho soldado que volta ao desolado campo de batalha, depois de anos. Porém, sempre há beleza aqui: ouço o cantar dos pássaros sertanejos que eu não sei o nome, vou a uma venda típica, com um velho balconista que oferece cachaça, fumo, velas, fósforos, sandálias, cereais, produtos de primeira necessidade. Dona Lenita, proprietária do Hotel Grapiúna, que foi namorada de Maurício do Vale durante a filmagem de Deus e o Diabo na terra do sol, o bicheiro puxa-saco do prefeito, a garota linda que gerencia o hotel, o fotógrafo comunista Zé Raimundo, que ainda não encontrei.
Da última vez, se não fosse sua generosidade e compreensão, eu não teria feito as fotos que fiz, porque minha câmera havia sofrido avarias e ele me emprestou sua Prátika e ainda deu dicas de como fotografar lá do alto.
Hoje, as coisas se repetiram: em 2002, eu subi o Monte com Zé Ronaldo no primeiro dia, sem câmera. Hoje, subi sem o equipamento, porque estava sem bateria. Eu resolvi subir para observar, à lá Jodorowsky. Outra coincidência é o fato de que as capelas e a igreja no alto estavam fechadas. E também o fato de que Zé Raimundo não estava em casa, só voltaria mais tarde. E também que o sineiro Manoel lá estava, sozinho, contemplando silencioso a paisagem do alto.
Aqui estou. Jurei que voltaria e voltei. Ainda tenho outras promessas que pagar.
Espero que amanhã eu consiga postar as fotos.

Euclides da Cunha.



Após sete anos, estou de volta ao mítico, místico, mitológico, mágico e maravilhoso Sertão. Cheguei exatamente às 3h10 da manhã, depois de uma viagem de 4 horas desde Feira de Santana. Muita gente me perguntava sobre o que eu acharia diferente no Sertão, desta vez, e eu sempre respondia: "Internet". Sabia que a Net estaria aqui, mas não contava que a conexão fosse tão precária, de modos que o post sobre Mário Seu H ficou pra depois, assim como, provavelmente, as fotos de Monte Santo.
Eu esperei na pequena rodoviária de Euclides da Cunha por pelo menos 3 horas até meu ônibus para Monte Santo aparecer e me levar para a cidade. Foi um reencontro. E como sempre, o que estava por vir seria ainda mais grandioso.
Uma senhora espera pelo ônibus enrolada na bandeira do Brazyl.

Mário Seu H filosofa


Mãe Filhinha, 105 anos, dona do terreiro de Candomblé mais importante de Cachoeira
Mário Seu H, nascido Mário Correia do Rosário, em 3 de março de 1947, em Cachoeira de São Félix, Bahia. É chefe da torcida da Liga Cachoeirana de Desportos, a LCD. Um filósofo. Fazedor de rapé. O rapé de Mário Seu H é feito de emburana de cheiro, manuscaba, ocalípio, velaminho, velame branco, maria preta, pau ferro, pixulim, sucupira e angélica de cheiro e tabaco. É o conhecido e reconhecido "Tabaco do Velho". Segundo Mário Seu H é um rapé que ajuda a previnir e curar doenças do coração, diabetes, pulmão e dá disposição ao homem.
Seu H é frequentador habitual do Bar do Menezes.

Menezes: dono do bar e um dos Grandes Babalorixás de Cachoeira

Menezes é, nas palavras de Seu H, o "maior babalorixá de Cachoeira". Menezes é filho de Mãe Filhinha, que tem nada menos do que 105 anos de idade. Infelizmente, não pude conhecê-la. No bar de seu Menezes há várias figuras, entre elas o Gato Meia-Noite e o Cão Salário Mínimo.



O gato Meia-Noite (infelizmente, não tenho nenhuma foto de Salário Mínimo)

Sobre Salário Mínimo, disse Seu H:
"Salário Mínimo não vale nada. Ele é seu amigo num momento, e noutro, lhe morde a mão. Agora, com todo respeito, Salário Mínimo tem mais moral que meu compadre Menezes. Não vale nada aquilo ali (aponta para o cão, um cão pequeno, sarnento e magro). Ele toma remédio, come ração, é bem tratado, mas não vale nada. Só que eu não sabia que Salário Mínimo tinha mais moral que meu compadre. Quer saber por que? Ele foi atropelado e todo mundo, da dona da loja de motos ao gerente do Banco do Brasil,todos ficaram preocupados e revoltados com o atropelamento. Era "Cadê Salário? Cadê Salário Mínimo?" E aí, Salário foi salvo".
O gato Meia-Noite é também digno de nota. Como todo bom gato preto, ele sabe aproveitar a vida deitado junto à porta do estabelecimento, apenas esperando pelo melhor.
Mário Seu H: grande figura cachoeirana
Enquanto isso, Mário Seu H filosofa mais:
"Às vezes, a gente fica olhando as coisas assim porque a gente tá olhando pra vê onde a gente tá chegando, pra vê o prato em que a gente vai comê".
Eu devia ter tirado uma foto de Salário Mínimo, mas ele sumiu.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Mário Seu H e a Seleção LCD

Não posso deixar de falar de Mário Seu H.
Mas isso ficará para outro dia. Estou mesmo cansado, e amanhã acordo cedo para viajar de barco, de novo, pelo Paraguassu, com Marcelo e Susan.
Mário Seu H é chefe da torcida da Liga Cachoeirana de Desportos, a "Seleção", e também é meu padrinho (eu fui batizado por ele NUM BAR - huahiahiahiaha).
Amanhã é meu último dia aqui, então, seguirei para Feira de Santana e finalmente o Sertão, que há tanto tempo anseio por rever.
Antonio, eu (vestindo a camisa da Seleção LCD) e meu padrinho, Mário Seu H.

Cachoeira, São Félix e o Rio Paraguassu


"A felicidade consiste em compreender que tudo é um grande e estranho sonho" Jack Kerouac

É assim que tenho me sentido nos últimos dias: num grande, estranho e maravilhoso sonho. Deve ser por isso que eu, grande sonhador, não tenho me lembrado muito de meus sonhos. Acho que meu inconsciente não necessita de mais estímulos, pois tudo por aqui é colorido, visual, tátil, cheiroso, agradável, quente, louco, insano, diferente, radical, tropical, acolhedor, sorridente, apimentado, frutífero, barroco...


As duas cidades nasceram às margens do rio Paraguassu e logo assumiram posição de destaque na economia colonial, por causa da cana de açúcar, cacau, madeira, ouro e pedras preciosas. São duas jóias do Barroco Brasileiro, em especial Cachoeira, que tem igrejas belíssimas, com afrescos, azulejos e altares que não vi em outro lugar, além de um conjunto de casarões que nos dão a sensação de uma viagem a um universo paralelo.


Sorria, você está na Bahia...

Uma especialidade do local são os charutos. Os robustos são produzidos na região do Recôncavo há vários anos e há grande qualidade e tradição no processo. Visitei duas fábricas, a Danneman, que produz charutos do tipo exportação, com altíssima qualidade e esmero na técnica manual de feitio, e a Talvis, que produz charutos e cigarrilhas conhecidos no Brasil inteiro.

Cuba? Não: Cachoeira.

Comprei uma caixa de charutos Talvis, além disso, perdi a conta de quantos fumei desde que cheguei em Salvador. Nunca estive em Havana, mas tenho a sensação de que a similaridade com Cuba e o Caribe em geral são intensas. Aqui, sempre houve conexões entre vários mundos: os católicos portugueses, os vários povos africanos, os povos indígenas, o mundo islâmico, judeus, os sertanejos, e as conexões que sempre existiram entre a América colonial. Cachoeira e São Félix são uma terra do samba-de-roda, que foi tombado como patrimônio imaterial da humanidade, e também de reggae e batuque, associado ao candomblé. Em Cachoeira nasceu e ainda vive Edson Gomes, um dos grandes nomes do reggae no Brasil. Kingstom, Havana, Brazzaville, no mesmo lugar e no mesmo instante.

Vestidos esvoaçantes e janelas coloridas.

O Rio Paraguassu é algo à parte, uma fonte de vida, uma imersão ao Tropicalismo, ao mais ancestral de nós. Viajar por suas águas é um encontro com um país que se revela. Descobrir o Brasil e deixar que ele se revele em seu estado mais natural. Águas, aves, peixes, coqueiros, árvores, palmeiras de dendê, velhos e fantasmagóricos engenhos de açucar, vilarejos pequeninos com casinhas de sapê e crianças sorridentes. Aqui também há a Barragem de Pedra de Cavalo, que dá água e luz para várias partes da Bahia e foi construída na época do "desenvolvimentismo" do Regime Militar. Hoje, pedalamos eu, Marcelo, Susan e nosso amigo Curto, que nos levou até a beira da Barragem, onde pudemos nos refrescar nas águas límpidas do Paraguassu.
Caranguejo, siri, caju com cachaça, pirão com dendê, farinha, carne de sol, acarajé, abará, maniçoba, moqueca e muita, muita pimenta. De barco, a pé ou de bicicleta. Comendo de mão ou de talher.
O gosto, o cheiro, a alma do Brasil.
E olhem: a próxima parada é nada menos do que o Sertão.

O trem na centenária Ponte Dom Pedro II, trazida do Canal de Suez pelo Imperador.

São Félix: outra pérola do Recôncavo Baiano


Poesia às margens do Paraguassu

Essa garotinha é realmente feliz.

Outro instantâneo: uma velha senhora costurando em Coqueiros.