segunda-feira, 13 de junho de 2011

Um ícone do ciclismo em BH

(As fotos deste post foram realizadas por Julia Lage)


* No dia em que esta postagem foi publicada,  em São Paulo houve o atropelamento e morte  do ciclista Antonio Bertolucci. Sua morte teve destaque nacional porque, além de aficcionado por bicicletas, ele era presidente do Conselho de Administração do Grupo Lorenzetti, fabricante de chuveiros. Muitos anônimos, trabalhadores e desportistas, perdem a vida nas grandes cidades por descaso, truculência e descumprimento das leis. Até quando? 


Armênio Silva: 90 anos de idade, quase 80 deles dedicados ao ciclismo.

Em Belo Horizonte, circula um mito urbano de que a cidade não é "apropriada para o ciclismo". Diz-se isso por aí devido ao fato da topografia da capital mineira ser bastante irregular, contando com diversas ladeiras de tirar o fôlego. Isso tem servido de desculpas para o Poder Público lavar as mãos e simplesmente esquecer o transporte por bicicleta como uma alternativa ao nosso caótico trânsito - ainda que recentemente, tenha-se quase por milagre incluído uma ciclovia no projeto de revitalização da Via Expressa.
Nada mais equivocado, já que as bicicletas modernas podem ser equipadas com sistemas de marchas que suavizam o esforço diante das piores ladeiras. E, cá pra nós, subir, pode até não ser fácil, mas descer uma ladeira de bicicleta com o vento na cara proporciona uma sensação de prazer única. 
Pois, como um dos inúmeros paradoxos que encontramos nesta imensa metrópole, aqui vive um homem que poderia, por sua história de vida, ser considerado um verdadeiro Herói do ciclismo. Trata-se de Armênio Silva, 90 anos de idade a serem completados em 23 de novembro próximo, e pelo menos 80 deles dedicados ao ciclismo. 
Glórias passadas em duas rodas
Armênio é dono da mais tradicional bicicletaria de Belo Horizonte, situada na rua Sergipe, 150. É ali que há quase 70 anos ele conserta, avalia, compra e vende peças e objetos ligados ao ciclismo. E é ali, também, que está boa parte da memória da Federação Mineira de Ciclismo, da qual Armênio Silva foi presidente durante  vários anos, além de um de seus principais atletas.
Nascido em 1921 na cidade de Riacho dos Machados, norte de Minas Gerais, Seu Armênio é o sétimo filho de 13 irmãos. Hoje, é o único sobrevivente "não sei por que, são coisas que não se entende, mas o fato é que só eu fiquei". 
Quando tinha 7 anos, ganhou sua primeira bicicleta de seus irmãos mais velhos, e desde então, soube que sua vida estaria de alguma maneira ligada à magrela. Ele não tem dúvidas que chegou à idade que tem, em perfeita saúde e em plena atividade, por causa da prática do ciclismo: "Graças ao ciclismo, cheguei aos 90 anos. E ainda hoje, meus clientes são em sua maioria rapazolas. Infelizmente, hoje o ciclismo não é mais o que era - não tem patrocínio e é muito difícil se manter como esportista". 
Seu Armênio teve que abandonar o esporte por recomendações médicas há menos de 5 anos - sua última bicicleta "pesava 10 quilos". "O ciclista deve estar sempre alerta, e nesta idade, a saúde já não permite a total atenção".
Na década de 1940, veio a Belo Horizonte e se empregou como gerente da Casa Martins, uma das antigas casas de ciclistas, que ficava na rua Curitiba. 
Em 1941, fundou a Casa do Ciclista, que até hoje está no mesmo endereço, atrás da Igreja de Boa Viagem, vizinha ao famoso Clube da Esquina, na rua Sergipe, no Centro de BH.
Armênio Silva disputou vários campeonatos mineiros, no tempo em que a Federação Mineira de Ciclismo era  uma entidade importante, com campeonatos disputadíssimos. Disputou o Campeonato Brasileiro de Ciclismo em quatro ocasiões, e chegou em 3.º lugar em 1946 - sua melhor colocação. 
Quando presidente da FMC, seu Armênio foi responsável pela separação das categorias de motocicleta e bicicleta, que eram agrupadas na mesma entidade. Homem das duas rodas, correu em competições por várias vezes com sua clássica inglesa Douglas de quadro elástico. 
"A vida, para quem quer viver, tem que conter a prática de esporte. O ciclismo é a única explicação para eu estar vivo e com saúde. O esporte é vida, e o negócio da vida é saber viver", diz sob um sorriso sincero de alguém que é a prova viva de suas palavras. 
Seu Armênio nunca bebeu, fumou ou "teve vícios", e me garante que só bebe chá - "nunca bebo café, que é estimulante demais". 
O mais peculiar disso tudo é que, diante de sua longevidade e alegria, fica sem sentido a ideia de que BH não serve para ciclistas. Quem dera o exemplo de seu Armênio fosse levado como um modelo!
É uma pena que nossos administradores não percebam e não estimulem o ciclismo - não apenas como esporte, mas como meio de transporte e filosofia de vida. Sem dúvidas, a bicicleta traria uma forma mais humana de se pensar a cidade. 
Ao terminar minha conversa com Armênio Silva, fiquei pensando - será que no futuro, daqui a 70 ou 80 anos, teremos a honra de contar com personagens únicos, tão fantásticos em sua simplicidade, e tão essenciais para a alma de BH e do Brasil, com sua vitalidade e beleza? 











A flâmula da Federação Mineira de Ciclismo





Vou pedalar as próximas décadas para descobrir...