É verdade que a turnê do ex-beatle já lotou platéias no mundo todo e tem sido considerada uma das melhores apresentações do baixista. Pra mim isso é lugar comum: em algum instante durante sua longa carreira, Macca deu-se ao luxo de realizar uma turnê mal-sucedida?
A única vez em que chegou perto disso foi quando amargou dez dias preso no Japão por levar 10 kg de maconha na bagagem, em 1980. Mas de resto toda a carreira de shows de Paul, desde os Beatles, passando pelos Wings e as apresentações da década de 1990 em diante, foi sempre marcada por grandiosidade, carisma, perfeição e eficiência, que via de regra agradam aos críticos e deixam as platéias extasiadas.
Mas tudo isso não pesou na minha decisão de dizer "não" à nova - e provavelmente última - passagem do ex-beatle pelo Brasil.
Quem me conhece sabe que sou um beatlemaníaco há muito tempo. Ganhei meu primeiro LP quando eu tinha 9 anos de idade (às vezes me impressiono ao pensar que me tornei fã da banda ouvindo um disco bizarro chamado "John Lennon 101 strings", comprado no cestão de um supermercado e que, apesar do nome sugerir homenagem ao beatle assassinado, trazia na verdade versões orquestradas de músicas dos Beatles, entre elas Hey Jude, Michelle e Yesterday, que são mais de Paul do que de John). Então, por que será que eu não estou nem aí pra esse evento?
Algumas reflexões me levaram a simplesmente não querer fazer nenhum sacrifício financeiro para acompanhar um show de um dos meus ídolos.
Pra começar, o fato de que eu já vi um show de Macca.
Sim, meninos e meninas! Titio André estava na Pedreira Paulo Leminski, no chuvoso e frio dia 5 de dezembro de 1993. Fiz todo o ritual da histeria: comprei ingresso adiantado, fiquei ansioso por um mês, e no dia, junto com meu amigo João Oliveira, cheguei às 6 horas da manhã, vindo de Palmeira-PR debaixo de uma bruta chuva, entre raios, trovões e caminhões, num Fiat 147, pra ficar, junto de outros alucinados, tomando chuva O DIA INTEIRO, cantando músicas dos Beatles até os portões se abrirem, às 8 horas da NOITE.
Mas valeu a pena, porque ficamos bem na frente do palco. Até hoje me lembro das várias vezes em que Linda McCartney acenou pra gente, e também o Paul. Para cada aceno, meu coração batia 100 vezes. Acho que passei um terço do show chorando (não riam! eu não era o único a reagir dessa maneira! Eu lembro que quase todo mundo chorou quando Paul subiu ao palco!).
Quando cheguei em casa, de volta, no dia seguinte, a notícia da morte de Frank Zappa exatamente no dia em que vi Paul McCartney ao vivo, tornou aquela data realmente marcante.
Quero dizer então aos beatlemaníacos que deste pecado estou livre - consegui ficar perto mesmo de um beatle, ainda que há 17 anos, e não vou me arrepender de não vê-lo desta vez porque esta culpa eu não carrego.
O segundo motivo pela minha recusa é simplesmente o fato de que eu achei aviltante o valor cobrado pelos ingressos. Os preços para as apresentações no Morumbi variam entre R$140 e R$700 reais! Se eu realmente quisesse participar do show, no meio da galera, próximo do palco, e repetir aquela emoção que tive em Curitiba, eu teria que pagar o ingresso mais caro - que por sinal desapareceu em menos de duas horas. Pagar menos significaria ficar longe, às vezes tão longe que o máximo que conseguiria ver seria um pontinho beatle andando pelo palco. Definitivamente, não é uma maneira adequada de compartilhar as emoções com um ícone. Se for pra assistir um show num telão, fico com meus DVDs. Com a vantagem que posso ver quantas vezes quiser.
Sinceramente, eu considero esses preços um assalto e também uma restrição - pagar um salário mínimo e meio pra ver um cara tocar contrabaixo? É muita sacanagem! Tou fora. Prefiro comprar os discos que ainda não tenho, numa boa.
Outra coisa que me fez decidir por ignorar o show de Macca é o deslumbramento em torno do mito. Eu já passei dessa fase de idolatria, faz bastante tempo. Houve uma época, entre meus 16 e 20 anos, que eu era tão aficcionado pelos Beatles que chegava a encher. Eu só ouvia Beatles, o dia todo, até furar os discos, sabia de cor TODAS as letras, meus presentes de aniversário, Natal eram sempre coisas ligadas à banda. Mandei fazer um óculos redondinho azul igual ao do Lennon. Andava com meu cabelo à moda franjinha.
Naquela época pré-internet, pra conseguir ouvir as raridades (e muitas coisas da carreira solo dos FabFour era raridade numa cidade como Ponta Grossa, onde eu morava), tínhamos que recorrer à gravação de fitas K7 em lojas de discos, ou contar com a sorte, quando aparecia, por acaso, alguém que tinha um LP ou uma revista que não conhecíamos. Uma camiseta com um desenho dos quatro, um CD diferente, eram como troféus. Eu namorava ouvindo Beatles, escrevia letras dos Beatles nos cadernos das meninas do colégio, usava os LPs pra dar cantadas (às vezes, cantando as músicas que eu mais gostava). Agradeço profundamente a John-Paul-George-Ringo por me ensinarem inglês. A prova maior da minha fixação pelo tema foi sacrifício que fiz para ver a apresentação em Curitiba.
Eu lembro disso com saudades, um tempo bom e inocente que não volta mais.
Portanto, é lógico que não critico quem faz isso hoje em dia. Acho surpreendente que os anos passam, mas o mito fica cada vez mais forte no mundo todo. Isso é realmente impressionante.
Mas a babação tem sua época. Hoje eu valorizaria muito mais a oportunidade de um chat com Paul McCartney, ou até mesmo tão somente um autógrafo e um aperto de mão, do que um show em que eu me espremeria entre milhares de outros aficcionados ou ficaria distante um quilômetro do palco, sem ter uma noção exata do que se passa e nem poder participar diretamente da troca de energia entre artista e platéia.
Mas desta vez, eu vou ficar com meu CD Wingspan, uma coletânea bem bacana dos Wings que, num golpe de sorte, eu paguei baratinho num supermercado (eu sempre consigo discos dos Beatles em supermercados, repararam?). Esse eu posso ouvir quando quiser, e posso garantir que é emocionante da mesma maneira.
Ou então, ficar fuçando no youtube pelos vídeos das apresentações, como o que segue abaixo, gravado por um fã em Miami, em abril de 2010.
É isso aí.
Eu desejo a todos os que conseguiram ingressos, mesmo os mais baratos, que se divirtam, se emocionem e que seja o show de suas vidas, como foi para mim o dia 5 de dezembro de 1993.