segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Meus velhos e minhas crianças

Eu gosto de fotografia, apesar de até hoje jamais ter obtido um equipamento profissional. Sempre fotografei com o que deu: uma Zenit que pesava como um fusca, e que foi minha primeira escola de luz-e-sombra no sertão; uma Olimpus básica de rolo, que eu troquei pela Zenit quando ela quebrou pra nunca mais voltar a fotografar, e por fim, uma Cybershot que acabou tendo um triste fim, bem como a Samsung que a substituiu. Como podem ver, sou um destruidor de câmeras.
Uma vez, tive uma conversa de que não esqueço, com o grande fotógrafo pontagrossense, Raul Bianchi, infelizmente não mais pertencente a este mundo. Ele, herdeiro durante anos do acervo Bianchi, um dos mais importantes acervos fotográficos do Paraná, filho e neto de fotógrafos e irmão de cineasta, me disse que, para me tornar um bom fotógrafo, eu devia exercitar o olhar. Com um olhar treinado, seria possível fazer boas fotos. Sem olhar, não importa o equipamento, eu jamais seria fotógrafo. Levei isso a sério, e desde então, ainda que de maneira amadora e com mais erros do que acertos, venho treinando meu olhar.
Ao migrar para a fotografia digital, da qual busco usar não os milhares de recursos disponíveis, mas sim explorar os recursos básicos de forma mais esgarçada possível, continuei errando e acertando, perdendo a foto da minha vida várias vezes. Mas sem desistir daquilo que mais gosto de fotografar: retratos de pessoas comuns, em situações comuns de suas vidas.
Busco uma maneira de fazer a paisagem trabalhar em função das pessoas, e em geral, eu procuro intuitivamente uma noção de enquadramento, cor e luz que favoreçam a emoção que porventura a pessoa fotografada possa fazer aflorar em mim, que a olho detrás de uma lente. 
Já perdi muitas fotos por pudor em invadir a privacidade alheia, mas também consegui algumas coisas que me agradaram bastante.
As fotos deste post demonstram um pouco disso.
A imagem das crianças marcou uma viagem existencial que fiz, em 2002, em companhia de meu grande amigo Zé Ronaldo Ribeiro. Fiquei com ela por sete anos, até que, depois de muito custo, consegui entregar uma cópia aos retratados, no ano de 2009, quando voltei à Monte Santo. Toda vez que a revejo, percebo até hoje essa imagem carregada de ternura e de uma imagem que eu busco o tempo todo, difícil de traduzir em palavras, mas que os sorrisos das meninas e do menino sertanejos, todos irmãos, expressam com mais facilidade.
Monte Santo, Bahia, 2002. A prova de que o olhar é mais importante que a tecnologia.
O olhar das crianças das fotos seguintes, também tiradas na Bahia, mas em 2009, revela aquilo que eu gosto de registrar, e que é difícil de conseguir. Na primeira, o sorriso e olhar de pureza do menino entre os sacos de cimento, sempre me pareceu um encontro de elementos que, por inusitado, chega a quase celestial. É uma das minhas preferidas, e forma um tríptico interessante com as duas outras crianças, que parecem oferecer à lente do fotógrafo toda sua ternura e alegria infantis.

Um sorriso tranquilo, entre a dureza do cimento e das pedras. Cachoeira, Bahia, 2009.

A infância em uma comunidade quilombola, à beira do Rio Paraguassu. Recôncavo Baiano, 2009.

O enorme olhar de encantamento diante da apresentação do circo, em pleno sertão. Monte Santo, Bahia, 2009.
Eu fotografo para mim, e por isso, sempre tive certo pudor em expôr meus retratos. Procuro, sempre que possível, entregar cópias às pessoas que se deixam retratar. Vejo as fotografias como um espelho do que eu sou e do que eu busco. As fotos são também uma busca de poetizar e eternizar determinados momentos, como se fosse possível congelar por um segundo o intervalo entre a juventude e a velhice, que se expressam paradoxalmente da mesma maneira.

O sorriso na janela que me fez ter a certeza de já haver estado ali, antes. Pelourinho, Bahia, 2009.
Tecer a vida? Pelourinho, Bahia, 2009.

Coser os sonhos? Coqueiros, Bahia, 2009.
Os fotógrafos sabem que raramente há passividade diante da câmera, e que as escolhas daquilo que se retrata sempre exprimem uma ideologia e uma visão de mundo. Não fujo disso.
No caso dessas imagens, creio que, na maioria das vezes, tive a sorte de contar com modelos que não se mostraram refratários à ideia de serem retratados, e por uma compreensão também intuitiva, se doaram ao meu olhar sinceramente, espontaneamente. Estou ciente de que todos me deram muito mais do que eu poderia lhes oferecer.
Esse é o caso das crianças que brincavam às margens da baía do Rio Paraguai, em Assunção. Todas eram moradoras da favela La Chacarita, que é vizinha dos principais prédios públicos e religiosos da capital paraguaia. Um contraste e tanto, que oferece também uma leitura peculiar de "nuestra América". Porém, como todas as crianças livres do mundo, os meninos assuncenhos viviam alheios, entre suas pandorgas e folguedos, aos temas caros à sociologia do continente. Pareciam se divertir com o fotógrafo estrangeiro.

Os meninos de Assunción, com pandorgas e folguedos...
...divertiam-se com o fotógrafo estrangeiro. Assunción, Paraguay, 2009.
Diante dessas e de algumas outras fotos, reflito que o objetivo deste blog, dar vasão à minha necessidade de ver e contar sobre o que vejo, tem sido cumprido.
Vou continuar cometendo estes desatinos.