segunda-feira, 27 de julho de 2009

Viagem pitoresca pelo sul do Paraná e Região do Contestado, Santa Catarina

A vida muda muitas vezes de forma rápida e definitiva. Eu havia pensado que passaria as férias de julho na Argentina, vejam só, acabei passando as férias no Paraná.
Mas valeu a pena, por várias razões. Logo no meu primeiro dia em PG, saí pra dar uma volta e encontrei o Buda, por acaso, na rua. Havia um ano, mais ou menos, que não nos falávamos, e foi legal tê-lo encontrado, justamente em PG.
Fomos à casa da Karla, que é minha amiga há pouco tempo, mas é amiga do Buda desde que os dois eram adolescentes. Eu e Karla havíamos sido convidados por nosso amigo Carlos Werlang para visitá-lo em Canoinhas. Existem algumas coisas que unem a mim, Buda, Karla e Carlos: literatura, especialmente a literatura subversiva, viagens, budismo, carros velhos e um desejo de criar situações favoráveis, que nos deem a sensação de estarmos vivos.
Então, resolvemos que iríamos a Canoinhas de vermêio, o fusca 1977 de Buda, um carro que seria perfeito para o papel de "Se meu fusca falasse" - ainda que algumas coisas que ele falasse, seriam difíceis de acreditar.


Caonoinhas, Santa Catarina.

A ideia da viagem foi em parte inspirada por um capítulo de On the Road, de Jack Kerouac. Naquele episódio, Sal, Dean e Stan Shepard se preparam para viajar para o México, desde San Francisco, em um calhambeque Ford 1937 que Dean havia comprado e mandado para a revisão, para então partirem em uma viagem de 2 mil quilômetros rumo ao sul, dias e dias em estradas empoeiradas, entre desertos e fronteiras, lentamente em busca de aventura, ao encontro do diferente.
Stan se despede do velho avô. O velho, às lágrimas, implora que ele não vá, mas assim mesmo ele parte. Nós saímos de Ponta Grossa na sexta-feira à tarde, depois de o Buda haver pegado o vermêio na oficina. Vermêio, aparentemente, é um calhambeque. Mas o motor, a suspensão e os freios estão em perfeito estado, e o fusquinha que já encarou várias aventuras preparava-se para mais uma. Desde que o comprou, Buda vem rodando o centro-sul do Brasil loucamente, carregando a família e eventualmente os amigos, para cima e para baixo.
O frio sucedeu à chuva de mais de uma semana, num clima típico do inverno no sul, e lá fomos nós, numa tarde ensolarada.


Uma imagem filosófica
A primeira parada foi em Irati, onde passamos uma noite agradável em companhia de minha irmã, meu cunhado e meu sobrinho de 1 ano e meio. Pizzas, grappa, quentão e chimarrão animaram as histórias, lembranças e conversas até mais ou menos meia-noite, quando todos fomos dormir, já que a ideia era acordar cedo e seguir viagem.

O vermêio e a caixa d'água em forma de cuia, São Mateus do Sul.
A estrada entre PG e Irati é o início da região Sul do Paraná, colonizada por tropeiros, caboclos, polacos, ucranianos e alemães. A economia rural é baseada na produção de erva-mate, no extrativismo, pecuária, feijão e maçã. A paisagem é bastante peculiar, composta por araucárias, matas, pastagens, carroças, bicicletas, varais coloridos, igrejinhas, cemitérios, casas de madeira pintadas de verde, vermelho, azul, amarelo, névoa, frio.


A turma e o vermêio, em Irati.

Valério e o "fu"

Entre Irati e São Mateus do Sul, muito frio.


Paisagem hiemal.
De Irati, fomos à São Mateus do Sul, no último trecho sem asfalto, cerca de 40 km de estrada que muito pouco mudou nos últimos 150 anos. São Mateus é um reduto da colonização polonesa no Paraná, com forte presença da cultura polaca na culinária (especialmente nos pieroguis e cracóvias) e na arquitetura (igrejas, casas e a onipresente reverência ao chimarrão, em forma de monumentos e da caixa d'água da cidade, que tem forma de cuia).



Karla, introspectiva.

Buda, em seu estado natural.

Vermêio ama o barro.
Demos uma volta pela cidade e seguimos em direção à Três Barras, já em Santa Catarina, na chamada Região do Contestado. A região tem esse nome porque foi palco de um sangrento conflito armado, envolvendo os governos de Santa Catarina e Paraná, por conta de um litígio sobre as terras do meio-oeste. Cenário de uma guerra que durou anos, matou milhares de pessoas, envolveu jagunços, dois profetas messiânicos(João Maria e José Maria), fanatismo religioso, fome, mitos, genocídio (a batalha do Irani matou mais ou menos 10 mil pessoas)e ainda o interesse especulativo da empresa norte-americana Brazil Railway Company, que desapropriou milhares de hectares de terra às margens da ferrovia, num ato que foi um dos barris de pólvora desta guerra ridícula. É uma parte da história do Brasil comparável ao episódio de Canudos, com toda certeza. Talvez o que tenha faltado para que tivesse o mesmo peso histórico e emblemático para nosso senso comum fosse um Euclides, que não houve por cá.
Canoinhas é uma das cidades desta região, que tem como centro Caçador (SC), e União da Vitória-Porto União (PR-SC).
Chegamos lá em um dia muito frio. Almoçamos no restaurante Therapia, de propriedade da família de nosso amigo Carlos. Um restaurante muito bom, com um cardápio excelente, e um bar também refinado.


Composição com bicicletas.

Uma velha casa no estilo polonês e a torre da Igreja de São Mateus do Sul



Pinhão, abóboras e criança na feira em São Mateus do Sul
Após isso, fomos até a Cervejaria Canoinense, em atividade desde 1902, de propriedade do senhor Rupprecht Loeffler, 92 anos de idade, provavelmente o último mestre cervejeiro do Brasil. A cerveja e o chope Nó de Pinho (servido em garrafas de 1 litro de refrigerantes antigos, e em canecos de chope de porcelana) caíram perfeitamente naquela tarde fria, nos dando uma sensação de que pouca diferença havia entre aquilo e uma velha cervejaria artesanal no interior da Alemanha nos anos antes da guerra.


Na divisa entre Paraná e Santa Catarina, mais frio.

Carlos e Karla, na Choperia Canoinense, provavelmente a mais antiga do Brasil.

Ein prosit!

Sr. Rupprecht Loefflel, mestre cervejeiro, e sua irmã, Dona Erica.

Onde beberíamos chope artesanal em garrafas de minuano limão?
A choperia é decorada com inúmeras fotografias, cartazes, garrafas e animais taxidermizados, que segundo dona Erika Schreiber, 88 anos, irmã de Seu Loeffler, ele mesmo caçou e empalhou. Ficamos umas boas duas horas naquele lugar fantástico e depois seguimos até o velho cemitério alemão de um distrito de Canoinhas. Ótimas fotos, ótimos momentos com ótimos amigos.
No outro dia, voltamos eu e Buda com o vermêio para Ponta Grossa (Karla voltou com Carlos).

O antigo cemitério alemão de Canoinhas.



Carlos, Buda e Karla

Na parada em Palmeira, ainda deu tempo de visitar meus amigos João, Marlene, Micheline, Jaqueline e sua filha Maria Gabriela, com quem tenho estreitos laços de amizade e por quem cultivo enorme carinho.

Reencontro com a família Oliveira, em Palmeira, Paraná, ao final de mais uma grande viagem.
Para um fim de semana chuvoso e frio, no Sul, valeu a pena demais.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A SOMBRA ESTÁ COMIGO - imagens não postadas



Finalmente, publico algumas fotos ilustrativas do texto anterior.
Estou em PG, de férias. Descobri que estou absolutamente desacostumado com o frio. E que estou morrendo de saudades de Minas Gerais. Dizem que Minas é um "estado de espírito", e agora, eu descobri porquê. Quer saber por que? Venha me visitar, minha casa está aberta aos amigos :-)
Em Ouro Preto e Congonhas do Campo, uma das coisas que chamam bastante atenção, para além da beleza do Patrimônio Histórico Nacional, é o descaso das pessoas com as fachadas e monumentos. Há um vandalismo generalizado e sem sentido, pois em verdade, a população não parece compreender que ao detonar esses monumentos, além de encher de vergonha o Brasil diante dos viajantes do mundo todo que vem aqui pra conhecer nossas pérolas barrocas, estão detonando a si mesmas, sua própria história.
Será possível fazer algo a respeito? Como educador, eu diria (ou deveria dizer) "a educação". Mas às vezes, me pego descrente... Enfim, talvez um dia isso mude. Sei lá. Vão pra Ouro Preto e vejam aquilo antes que acabe.
Na sequência, algumas imagens ilustrativas, algumas das quais me deixaram bastante indignado com nosso "barroquismo" semi-analfabeto, outras, tentativas de ilustrar o poético que permeia o ar da Vila Rica.

Ouro Preto, Igreja de São Francisco de Paula


O menino fugia da missa naquela manhã fria


O mané é tão idiota que nem o próprio nome conseguiu escrever...


Enquanto o velho homem caminha em direção à Igreja de São José.


Essa é a porta da Igreja São José, que tem um Altar-Mor criado por Aleijadinho.
Infelizmente, os escolares pichadores não parecem interessados...



Essa Vanessa deve ser tão gostosa quanto seu namorado é um corno!!!!


Igreja São José com São Francisco de Paula ao fundo


Vista geral da Cidade


Um gato folgado, com turistas e a Igreja Matriz do Pilar ao fundo


Uma dançarina em um dia de sol


Fãs do Marc Bolan, não confundam: o nome da cachaçaria é "trex", não "T. Rex". Assim mesmo, recomendo.


O nome desta singular ladeira é "Ladeira Farmacêutico Vieira de Brito"


Contraste Azul/ Barroco/ Restauração - Igreja do Carmo


Bom, por enquanto é isso. Próximos posts: Um perfil do poeta Peter Lima.
Algumas reflexões sobre o cinema de Vibes Junior.
Até mais.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Andanças em Minas

Devia ter escrito há semanas, mas sou um vagabundo, só escrevo depois de me dizer milhões de vezes que o caldo de cana tá ali, me esperando pra ser solvido, e eu deitado em berço esplêndido, ou a fazer outras coisas que não escrever.
Enfim, escrevo, aqui estou, nem sei pra que, ficar dourando minha pílula tanto tempo se eu nem tenho certeza de que este blog funciona. Mas tudo bem, eu escrevo, como disse o Mário de Andrade, porque sou vaidoso e creio na valia dessas vãs palavras.
E o fato é que muita coisa aconteceu nas últimas três semanas.
Aos poucos, vou me adaptando - eu diria muito bem - à vida em Belo Horizonte. A cidade é legal, um grande centro urbano com todas as coisas que se cobra de quem vive aqui, milhões de pessoas na rua, violência na periferia, muita gente na rua, crianças, velhos, homens, mulheres, trânsito particularmente caótico, eu diria que em muitos aspectos pior do que o de São Paulo e infinitamente mais desorganizado que o de Curitiba, metrô em greve há 15 dias e sem nenhum tipo de informação aos usuários, mas pra compensar isso, muito pão de queijo e uma infinidade de bares, de todo tipo, em toda a cidade, além de parques e grandes avenidas. Eu tenho ido ao cinema, também, com certa frequência - para quem me acusar de bêbado, pelo menos, serei um bêbado cinéfilo.
Perto da minha casa tem o "Nilo's", o "Marimbondos" e o "Bar do Baiano", os três, dignos de figurarem entre os mais típicos botequins do meu Brasil varonil. E eu vi "A estrada da vida", do Fellini, em película (morram de inveja), "Ninguém sabe o duro que eu dei", documentário sobre o Wilson Simonal (quem planta cói) e hoje ou amanhã vou assistir "Loki- Arnaldo Baptista".
A cachaça é uma instituição nacional, mas não é por acaso: pude entender um pouco a variedade de sabores, processo de destilação e envelhecimento, pela primeira vez na minha vida dignamente. Dá pra compreender exatamente porque existem tantos cachaceiros por aí - as cachaças mineiras nunca são semelhantes, todos os milhares de rótulos das várias regiões do estado escondem um sabor único, uma cor única e um cheiro único. A invenção do milênio.
Fora isso, fui a Ouro Preto e acompanhei um pouco da Mostra de Cinema, que neste ano, entre outras coisas, prestou homenagem ao cinema dos anos 1970 no Brasil.
Assisti a dois curtas muito bons: "Os boçais", do gaúcho Lufe Bollini, 2008; e o paulistaníssimo "Nas duas almas", de Vebis Junior, 2008.
O filme gaúcho é um thriller que mistura seres urbanos, surrealismo e faroeste.
Nas duas almas é um filme que usa a cultura neo-rockabilly (ou psichobilly, como queiram) de São Paulo dos anos 2000 para contar uma história de amor maluca, sobre uma moça que gosta de "caras estranhos", um rapaz de topete que faz o estilo "machão" mas que acaba sucumbindo ao amor. É a velha temática dos corações partidos, da dissolução de um relacionamento, as paixões avassaladoras. Uma desilusão amorosa a partir de uma leitura que me pareceu humana, ao propor o ser apaixonado como um ser vulnerável, sempre à mercê de suas construções, estigmas, preconceitos e carências. Também é uma brincadeira sobre "os opostos se atraem", no caso uma garota "normal" que se envolve com rockabillies contemporâneos. O filme me tocou porque acho que resume um pouco o que são as relações neste mundo de formas disformes, dos grandes centros e suas loucuras que nos tornam quase sempre personagens não-humanos, travestidos de si mesmos, incorporando estéticas globalizadas. A mensagem parece ser aquela velha retórica, sempre tão pertinente: não importa se somos punks, patricinhas, vegans, emos, porra-loucas: só nos humanizamos no amor.
Continuo amanhã a falar das outras coisas.
Tem Congonhas do Campo inteira pra contar.
E fotos pra postar.
Mas isso é pra depois.