sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

A Kronos, que seus filhos devora: 10 anos dos Caldos de Cana Independente!


HÁ EXATAMENTE 10 ANOS, EM DEZEMBRO DE 2008, eu dei início a este blog.

Mal imaginaria eu que, dez anos depois, a plataforma blogger estivesse ultrapassada.

E tampouco, que tantas coisas malucas estariam a ocorrer no meu país e em minha vida... Há dez anos, vivíamos um tempo de esperança e alegria. Jamais sonharíamos que veríamos Lula preso e o país debaixo de um golpe canalha, e que estaríamos sendo governados por uma camarilha de ladrões, traidores, cínicos, e, sobretudo, imbecis como a família Bolsonaro. Tudo muda, e assim também daqui a dez anos, tudo pode estar melhor.
Será?

Os Caldos de Cana nasceram como uma forma de registrar por escrito as impressões de uma viagem de descarrego que eu faria à Bahia, naquele ano. Foi, sem dúvidas, das melhores coisas que eu fiz - a viagem e o blog. Os Caldos deram vazão a fluxos de escrita que meio que amortizam minha frustração por jamais ter conseguido ser o escritor que eu sonhava ser, quando adolescente. E também serviram, muitas vezes, para centrar minha pisque, meus sentimentos, me ajudar a compreender minhas perdas e minha alma. É e sempre foi um espaço pessoal, personalíssimo. Me expus bastante aqui e assumo todos os erros e loucuras. Mas fico feliz que tenha conseguido, nestes dez anos, escrever ao menos UMA postagem anual (o ideal seria que este espaço fosse contínuo, mas isso também fala sobre mim - minha procrastinação, minha preguiça e minhas crises muitas vezes me impediram de escrever).

"All things must past", disse Harrison - que morreu há inacreditáveis 17 anos!

O que dizer sobre a passagem do tempo? Se para mim esta década parece nada mais do que um dia depois do outro, é óbvio que eu não sou mais aquele (palmas para mim! minha menina!); mas quem o é? Você, adorável e improvável leitora que tenha me acompanhado desde o início destes exercícios, se deu conta de que não é mais aquela mocinha de outrora?

E você, meu impossível e impensável leitor? Será que as coisas continuam iguais? Como nos reconhecíamos há dez anos? Fraternos? Parceiros? Comparsas? E agora, o que terá sobrado do nosso elã?

Nem vale a pena entristecer: ainda, com certeza, continuamos eu e vocês a exalar o vigor da vida. No entanto, não nos iludamos: o perfume do tempo vem aos poucos nos deixando marcados - o fogo é o mesmo, mas o rostinho...

Sem lógica, sem peridiocidade (a única que mantive foi a anual - desde 2008, sem falhar, em todos os anos há ao menos UMA postagem), sem pretensão alguma (que não fosse mais do que dar fluxo à consciência - ou semi-consciência - do seu autor), este blog chegou aqui.

Se fôssemos inquirir o porquê dessas mal-traçadas linhas, teria sido necessário recorrer à máxima do "Prefácio interessantíssimo", de Mário de Andrade:

"Todo escritor crê na valia do que escreve. Si mostra, é por vaidade. Si não mostra, é por vaidade também."

Aqui está um "escritor" que sempre creu na valia do que escreveu. (leia-se "crêu", e não "créu". Mas pode ser, também). Por pura vaidade, e sem o menor pudor, botei pra fora uns bons pedaços de mim. Me expus, com a consciência de todos os riscos.

Juro pra quem estiver me lendo: estou mais feliz do que triste com os resultados. Minhas expectativas se cumpriram - queria ter alguns leitores, e que este blog completasse dez anos. Acho que consegui. Graças a você, que me lê e viu alguma coisa que valeu a pena nessa trajetória.

Quanto aos sentimentos, continuam intensos e muitas vezes turvos.

Quanto às pretensões, continuam exageradas e malucas.

Queria que este blog pudesse ter mostrado pedaços da América Latina, da África, da Indochina. Fiquei por aqui, mesmo. Não me considero incompetente nem frustrado. Se eu conseguir viajar mais nos próximos anos, quem sabe este blog continue. Se não, talvez essa seja a última postagem.

Obrigado a todos e todas os que me acompanharam até agora. O descarrego responsável pelo início dos Caldos de Cana funcionou: estou muito mais feliz comigo mesmo, e não me permitirei que os idiotas que querem destruir o mundo ou torná-lo inabitável me deixem pra baixo.

Se isso aqui não tiver valor algum, valeu pela experiência. E pelos amigos e amigas que vieram (e até pelos canalhas que não são mais amigos e se foram, graças aos Deuses e Deusas da justiça).

this is it.