sábado, 19 de novembro de 2011

Gotas poéticas de Minas Gerais

Falar da obra de um amigo é sempre um risco. Vou parecer partidário, e minha amizade vai ser tomada ao pé da letra como atitude parcial ao defender uma obra que, talvez para olhares mais críticos e distanciados, seria considerada com menos brandura. 
Porém, assumo o risco e afirmo o seguinte: Milton Fernandes é um grande poeta. 
Produzir, coletar, publicar e assumir a própria poesia, nestes anos de mares revoltos, em que obras autorais são consideradas peças de museu, é sobretudo, atitude corajosa - mais ainda num país como o nosso, que não obstante os avanços econômicos e estruturais dos últimos anos, ainda é um país de analfabetos funcionais, de pessoas superficiais e alienadas, a quem o último dos interesses estaria ligado a um livro de poesias.
Mas o que dizer das "Gotas" de Milton Fernandes, senão que nos impressionam pela leveza, pela sutileza, pelo caráter e pelas opções poéticas e estéticas, explícitas desde a capa - também trabalho autoral de Milton, esse malandro que além de poeta é também designer, músico, fotógrafo e projetista gráfico de destaque no mercado editorial independente de Minas Gerais (se você acha pouco, procure saber mais sobre o mercado editorial mineiro e compreenderá a importância de trabalhar com livros em Minas)?
Além de tudo, é difícil, realmente, separar o designer, fotógrafo e projetista, do menino que é pai do menino Theo, livre e brilhante desde o berço, e do menino-marido da bela Tassiani, ela também uma esteta da linguagem, uma amante do belo e, fundamentalmente, minha confidente nos últimos 15 anos - além disso, junto com Milton, foram e são meus protetores nas terras de um Belo Horizonte. Como podem perceber, este é o relato passional de um amigo leal. E nada mais prezado por mim do que a lealdade. 

Mas vamos à poesia: o que Milton Fernandes pretende demonstrar desde a apresentação gráfica do livro é a tentativa de fundir uma ideia central com as partes que a compõem, numa unidade entre estrofes cujo conjunto aponta para uma significação comum, porém ponteada por significações in(ter)dependentes em cada estrofe. Na poesia de Gotas observa-se, tal qual uma chuva, a concatenação significativa de uma unidade diluída no conjunto: assim, a totalidade da chuva-poesia nos diz algo, que observado individualmente em cada gota-estrofe, subdividida entre estrofes, versos e palavras, adquire forma significativa tão forte quanto o conteúdo universal do poema. 

De maneira aleatória, escolhemos o poema "amor? amor!" (pág. 36):

amor? amor!
que medida? pare.
mande buscar 
sua camisa 
suada de sangue

da batalha
pelo último pote
do amor que lhe resta;

mas não se esqueça,
sinta de verdade

mesmo que haja dúvida
um dia
seu pulso 
lhe confirmará

Aqui, reside a ideia da medição do amor, pautada pelo paradoxo em que a dúvida se expressa na certeza,  ambas firmadas entre pacto sanguíneo de amantes que desejam a confirmação do que o pulso já dá como verdadeiro desde o início: a certeza do amor é marcada pelas incertezas do sangue escorrido, das batalhas, da sede pela última gota do pote. E essas batalhas, sede e última gota são os sinais mais certos de que há amor. A ideia do poema se expressa de forma clara em sua totalidade unitária.
Entretanto, observem cada estrofe separadamente, e teremos não um, mas quatro poemas curtos, cuja intensidade não se quebra, mas se aprofunda com a separação do todo:

         I                                           II                                    III                                  IV
amor? amor!                           da batalha                        mas não se esqueça     mesmo que haja dúvida
que medida? pare.                   pelo último pote              sinta de verdade           um dia seu pulso
mande buscar                          do amor que lhe resta                                         lhe confirmará
sua camisa
suada de sangue.

Cada uma destas estrofes deixaria Leminski orgulhoso com o poder fractal da poïesis .
E assim, com todas as outras. 
E assim, cada poesia, com o livro inteiro!
Não sei se isso é uma inovação, ou se a sutileza sagaz do poeta mineiro - nascido em Sete Lagoas, porta de entrada do sertão, o que pode explicar muito desta visão universal-fractal presentes em seu fazer poético - torna sua escrita atrativa. Pra dizer a verdade, nem sei se realmente ainda há espaço ou motivo, em nosso tempo, para sutilizas e genialidades individuais. Acredito mais na força subjetiva e inconsciente que une a humanidade, e pode provocar em indivíduos separados por culturas, línguas, religiões, etnias e espaços distintos e em situações distintas, a mesma força criativa,  materializada em objetos significativamente muito próximos.
O que sei é que a poesia em "Gotas" nos toca, e nos faz acreditar na corrente que une em uma singeleza poética almas de vários cantos. Este fazer poético sobrevive, indiferente aos apelos mercadológicos ou à diluição cultural que pretende tornar toda a humanidade em massa insossa e com pouco a revelar, ou a propor, subjetivamente. 
Obrigado aos poetas, que ainda nos fazem ter uma gota de esperança no peso que um verso pode ter como antídoto para esse mundo insano.

Em tempo: se você quer ler o livro, escreva para o Milton: www.miltonfernandes.com, ou adicione sua página no fêicebúq: http://www.facebook.com/profile.php?id=100000659754693.
Vale lembrar também que o livro "Gotas" será lançado oficialmente hoje, na livraria Café com Letras, em Belo Horizonte, com direito a sessão de autógrafos do autor. Se você está em BH, dá um pulo aí. Maiores informações: http://www.cafecomletras.com.br/lancamento_livro_05

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Choperia do Tito: finalmente, um filme trata da história de uma das mais tradicionais choperias do Brasil

Até que enfim, um filme sobre a Choperia do Tito!
Graças à Misto Quente Produções, foi produzido o primeiro documentário sobre a mais tradicional choperia do Paraná, que figura entre as mais tradicionais do Brasil: "Alma embriagada" mostra em 20 minutos o cotidiano de um dos mais emblemáticos estabelecimentos do país. A diferença entre o Tito e suas co-irmãs Pinguim, em Ribeirão Preto, Johan Sehn, em São Paulo, ou o Amarelinho, no Rio de Janeiro, é que essas últimas, ainda que permaneçam como tradicionais pontos de encontro e sirvam excelentes chopes, não preservam o que faz do Tito um lugar único: em Ponta Grossa, o chope ainda é servido tradicionalmente, a partir de seu armazenamento numa chopeira de 50 anos, sem uso da eletricidade, com duas serpentinas de cobre com 30 metros de comprimento.
A história da choperia se confunde com a de seu proprietário, Tufi Cury - conhecido como Tito. Aos 85 anos de idade, ele foi funcionário do Bar da Deliciosa, fundado na década de 1930. Entrou na choperia em 1942, e se tornou seu proprietário alguns anos mais tarde. A choperia mudou de endereço uma única vez, em 1956, mas trouxe do antigo ponto a máquina de chope, as mesas, cadeiras, prateleiras, espelhos, copos, cortador de frios e o caixa, que continuam preservados.
Hoje, a choperia pertence aos netos de Tufi Cury, os irmãos Anderson e Hudson Wiecheteck, que na década de 2000 abandonaram sua vida em Manaus para assumir a gerência da choperia, e assim, salvaguardá-la do que poderia significar seu fim. Não foram poucas as tentativas de desalojar o Tito de seu lugar tradicional, por conta da vampiresca especulação imobiliária que já destruiu 90% da memória da cidade. A última contenda teve que ser resolvida na justiça, que garantiu a permanência do bar no seu local tradicional. Além de terem assumido o local, a presença dos irmãos trouxe ânimo ao Tito, que de segunda a sexta-feira está ali, a partir do meio-dia até às 16 horas, servindo chopes e contando suas boas histórias com a simpatia e sua fina ironia de sempre.
A produção de "Alma embriagada" é fundamental para o processo de reconhecimento local e nacional deste bar, que se confunde com a cultura pontagrossense, e também com a história dos bares brasileiros no século 20. Não tenho dúvidas de que "Alma embriagada" será de grande importância para o que sempre considerei fundamental: o tombamento da Choperia do Tito como patrimônio histórico, material e cultural do Brasil.
Faço um convite a todos que ainda não conhecem, que venham a PG beber o melhor chope do Brasil. Alguma dúvida? Assistam "Alma embriagada" e vejam por si mesmos.
parte 1:

Parte 2: