segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Lou Reed



A notícia me pegou de surpresa. Não fazia ideia de que ele estava doente. Lou Reed parecia sempre muito forte, criativo. Um cara que nos surpreendia, e mesmo quando ouvia os discos da época de sua crise musical, que durou mais ou menos uns 10 anos, entre o fim da década de 1970 - quando ele parecia ter perdido a mão -  e o disco "New York", de 1989 - quando ele recuperou sua verve musical e poética - eu tinha a impressão de que o seu jeito de cantar e tocar guitarra eram únicos. Sua voz grave e seu jeito de cantar, quase declamando as letras nas canções, sempre foram muito impactantes. Meu domingo ficou realmente triste, chorei como se tivesse morrido um tio ou um irmão mais velho.
Lou Reed entrou em minha vida num momento em que eu superava minha fase "beatlemaníaco xiita". E quando ouvi os discos do Velvet Underground pela primeira vez, aos 17 ou 18 anos, aquilo mudou de tal maneira meu modo de pensar que eu nunca mais fui o mesmo. Inclusive, por conta do novo "vício" musical, eu acabei desapegando dos Beatles. Pura bobagem, da qual eu me arrependeria logo mais - depois de me desfazer de uns LP´s dos fabfour, por conta do novo amor, encontrei uma vez um artigo escrito pelo próprio Reed em que ele assumia também ser beatlemaníaco, e dizia que sua música existia por causa do som dos ingleses. Saber disso foi mais impactante ainda. Tive que recuperar os LP's dos Beatles extraviados, e outra obsessão passou a fazer parte de minha alma de colecionador - ter os discos dos Beatles e dos Velvets por inteiro.
Ano passado, concretizei esse sonho de adolescente - comprei de uma vez só os 4 discos clássicos do Velvet, em edições de luxo, e me pus a ouvir obsessivamente, como fazia nos tempos de vadiagem juvenil, em que só o rock´n roll dava sentido pra minha vida. 
Tive a sorte de, em 1996, num daqueles episódios de que a gente se orgulha para o resto da vida, assistir ao show de Lou Reed, em São Paulo. Uma aventura sem parâmetros - eu vinha de Belo Horizonte, onde por acaso havia encontrado uma edição espanhola do disco Rock´n Roll Heart (1976), que até hoje é um dos meus preferidos, para encontrar meus quatro amigos Zé, Sérgio, Cassiana e Angelo, que vieram eles mesmos de carona, desde Ponta Grossa, para assistir ao show. 
Ninguém tinha grana, e só conseguimos os ingressos porque naquele tempo, ver shows internacionais no Brasil não custava o preço de um automóvel popular. Compramos, obviamente, os ingressos mais baratos - o que, para nossa surpresa, nos deu direito a ficar de frente ao palco, no antigo Palace. Éramos 5 jovens amigos, meio caipiras, mas unidos pelo que a música de Lou Reed e do Velvet Underground significava para nós. Chovia em cântaros, nós estávamos hospedados num apartamento de um amigo meu, que era dirigente do movimento estudantil e emprestou a casa enquanto estava fora. Foi um show maravilhoso, do qual nunca esqueci, e que até hoje me dá saudades - em especial, porque lembro do guitarrista todo de preto, no palco, tocando por quase três horas, diante de uma plateia enlouquecida. Foi o último show daquela turnê, e Lou e banda voltaram para 3 bis.
Semana passada, ouvi "Magic and Loss", seu disco de 1992, que eu não ouvia há tempos, e fiquei feliz porque para mim o disco soa com o mesmo frescor da primeira vez que eu o pus pra tocar na vitrola. É estranho pensar que agora ele não está mais nesse mundo, e que ouvir seus discos solo ou com o Velvet Underground vai ter outro sentido. 
Sinto-me muito triste. Mesmo sabendo que ele tinha 71 anos, estava doente, havia feito um transplante de fígado, e que, afinal, as pessoas morrem. Há um vazio em meu coração - e acredito, no coração de todos os que amaram sua música, e tiveram suas vidas transformadas por ela. 
Descanse em paz, Lou Reed. Para mim, você sempre será um mestre.  

quinta-feira, 25 de julho de 2013

GALO DAS AMÉRICAS


é uma hora da manhã. estou sozinho, em curitiba. está chovendo. eu não queria estar aqui. eu era o ÚNICO a torcer pelo galo, e durante todo o jogo, lembrei de todas as vezes que assisti aos jogos no mineirão, e do quanto isso tudo significa para mim, emocionalmente. talvez na cidade inteira, eu fosse o único a sofrer com toda a massa atleticana. fui praticamente expulso do bar onde SÓ EU gritava GALO! GALO! a cada lance, a cada pênalti, a cada defesa. e antes que me acusem de louco, contraditório, alienado, vira-casacas, demente, bobo, infantil, o que queiram, é preciso que entendam: É O GALO, porra. a torcida mais sofrida do MUNDO, talvez. sofreram por 42 anos a ausência de um título de relevância, que correspondesse à altura do amor incondicional, do sofrimento insano, da galoucura que essa MASSA carregou nas costas por 4 décadas. ouvindo chacotas de todo mundo, em especial do maior rival. tendo que engolir calado, enrolar as bandeiras, chorar e sofrer. muito semelhante ao outro grande time das massas, que foi campeão de tudo no ano passado, e calou a boca dos rivais e dos "antis" e trouxe felicidade e alegria à sua não menos inflamada torcida: talvez seja exatamente o sofrimento sem sentido, insano, demente, exagerado, exaltado o verdadeiro e único combustível dessa MASSA que só cresce, que é cada vez maior e que vai onde o seu time está. essa mesma massa que eu vi chorando, quando era humilhada pelos rivais, que ouvia a chacota, o tiração de onda, a provocação, hoje ri, e ri da mesma maneira que chorava: louca, insana, demente, sem sentido. o FUTEBOL, não tenho dúvidas, é o MAIS ALIENANTE ANESTÉSICO popular. há os cartolas corruptos, falastrões, com suas declarações infelizes e seus passados obscuros (como o próprio presidente do atlético e o presidente da cbf personalizam o que talvez haja de pior nesse esporte). há as relações escusas entre a política que mascara as mazelas do país com estádios superfaturados e publicidade de produtos terríveis. há os salários e a super-valorização de atletas, chamados de "heróis", mas que em sua maioria representam a frustração de um país que não valoriza seus intelectuais, seus artistas, seus professores. e tudo por causa de uma bola. se formos realmente racionais, críticos, coerentes, se quisermos "melhorar o país", temos que admitir: o FUTEBOL É A MAIOR BESTEIRA. mas e daí? vá explicar isso pros 60 mil MALUCOS que lá estavam, gritando, chorando, brigando, e pra todos os milhões que choravam, cantavam, sofriam pelo país inteiro, verdadeiramente como um GALO que não para de brigar! o sentido do futebol é esse mesmo. tive o prazer de conhecer essa torcida, de ter sido recebido em minas gerais, e ter balançado meu coração por essa  emoção demente,  e ter compreendido que é isso mesmo, que é loucura, que é bobagem, é perda de tempo. mas É A MELHOR PERDA DE TEMPO DO MUNDO. o GALO merece. e todos os meus amigos e amigas mineiros, sejam torcedor@s  do galo ou não, merecem também essa loucura, que simboliza muito bem o que MINAS GERAIS é: antes de mais nada UM ESTADO DE ESPÍRITO. meu coração está lá, em bh, em plena praça sete, com o POVO. eu abraço a cada um dos torcedores e torcedoras deste CLUBE ATLÉTICO MINEIRO, CAMPEÃO DAS AMÉRICAS, que FINALMENTE de forma SOFRIDA, como NENHUM OUTRO TIME JAMAIS SOFREU, consegue dar à sua maravilhosa e inflamada torcida o TÍTULO MAIOR do qual ela estava tão carente nestas 4 décadas. o fato de eu estar aqui, hoje  nesta fria e por vezes estranha curitiba (sem desrespeito ao que eu também amo e aos que eu também amo aqui) considero um acidente de percurso, uma etapa que se inspira no sofrimento que mobilizou a torcida do galo por tantos e tantos anos, mas que FINALMENTE faz sentido. o sofrimento nos une. é loucura, eu sei. algo me diz que estou voltando. hoje, nesta gélida curitiba,  torcendo como se eu tivesse sido galo desde criancinha(e talvez eu seja, já não tenho mais certeza), me senti verdadeiramente CAMPEÃO DO GELO. PARABÉNS CLUBE ATLÉTICO MINEIRO, galo forte, vingador. o sofrimento acabou. 

sábado, 20 de julho de 2013

Política de Estado

BRASIL, 20 de julho de 2013: estimativas do ministério da saúde afirmam que, por ano, entre 730 mil e 1 milhão de mulheres abortam no país (sim, isso mesmo que vcs estão lendo - no mínimo SETECENTOS E TRINTA MIL mulheres praticam o aborto por ano no brazza). destas, a maior parte se submete a procedimentos clandestinos e sem nenhuma assistência médica. estima-se em cerca de 250 as mortes por ano, como consequência de abortos realizados sem assistência - sem falar nas sequelas de abortos mal-feitos. estes dados são todos estimativos, já que, por conta da criminalização, há dificuldade em se encontrar dados corretos. isso ocorre em nosso país porque o estado cede às pressões dos setores religiosos da sociedade e passa por cima do seu próprio princípio constitucional de laicidade: proíbe-se e criminaliza-se o aborto. a proibição, no entanto, não evita o trauma de figurarmos entre os países com as MAIS ALTAS taxas de abortos do mundo.

URUGUAI, 20 de julho de 2013: seis meses depois da legalização dos procedimentos de interrupção de gravidez no país, não houve registro de NENHUMA morte entre as mulheres que praticaram aborto. foram realizados (e devidamente registrados pelo ministério da saúde) 2550 procedimentos de interrupção de gravidez, assistidas e garantidas pelo estado. todas as mulheres receberam assistência médica, psicológica e orientações, antes e depois dos procedimentos. o governo pretende, a médio prazo, diminuir a prática de abortos voluntários. os dados incontestáveis do ministério da saúde uruguaio atestam que as políticas de descriminalização, educação sexual e reprodutiva, planejamento familiar e utilização de métodos anticoncepcionais, que funcionam através de serviços de atendimento integral, foram responsáveis pela colocação da república oriental entre os países com menor taxa de abortos por ano no mundo.

a mulher tem o direito de decidir. não os políticos, nem os religiosos.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

HISTÓRIAS DE FAMÍLIA*

*publicado em conjunto com o site cultura plural.


Dedicado à memória de Osni Francisco Silva (1947-2013)

Jodorowsky[1] afirma que, para conhecer melhor a si mesmo, e melhor lidar com traumas e limitações, é preciso estudar a árvore genealógica. Por alguma razão, segundo Jodo, a psique se forma a partir de heranças que recebemos de nossos ancestrais. Assim, se bem analisarmos e compreendermos a genealogia, é possível explicar e compreender nossos comportamentos e traumas, e desta forma, viver melhor.
A pesquisa genealógica é comparável ao trabalho do arqueólogo: fragmentos surgem de camadas profundas e duras, é preciso saber interpretá-los, para então montar um quebra-cabeça psíquico, composto por peças nem sempre – ou quase nunca – completas ou conexas. Ainda que incompleto, com esforço, paciência e dedicação, através de associações, intuições e deduções, pode-se ter uma ideia do quadro final, e enfim, compreender melhor o próprio inconsciente.
A história que lhes conto, queridas leitoras e leitores, foi inspirada na metagenealogia de Jodorowsky.
O imigrante Nicolau Liparotti, nascido em Nápoles, veio ao Brasil na década de 1890. Casou-se com Joana Doria (née Giovanna, teve seu nome abrasileirado), sua prima distante. No mesmo navio em que vieram, estava Salvatore, irmão de Nicolau. O casal estabeleceu-se em Castro, onde Nicolau gerenciou um armazém de secos e molhados no distrito de Socavão. Ali tiveram seus filhos, com exceção de Vicente, o mais velho, nascido na Itália. Ficaram em Castro até o fim da década de 1920, e depois, fixaram-se em Ponta Grossa. Salvatore, por sua vez, optou por morar em Rosário, na Argentina.
Um dia, ainda em Castro, Nicolau recebeu uma carta em que seu irmão o convidava para uma visita ao país austral. O ítalo-brasileiro aceitou, e foi, em viagem de mula, trem e navio, que levou pelo menos três meses, tendo junto consigo Giuseppe, seu filho menor, com 7 ou 8 anos. Lá chegando, ouviu de Salvatore como era bella a terra argentina, e como o rio Paraná era mais bonito daquele lado da fronteira. Nicolau foi convencido a abandonar o Brasil para morar com a família no país vizinho: – Ma lasci qui il bambino[2]. Ele fica aqui, pra ir se acostumando! Disse o irmão ítalo-argentino.
Convencido de que era uma boa ideia, voltou ao Brasil, em nova viagem de três meses. Quando finalmente chegou em casa, Joana, temperamental como uma boa mamma, o pôs contra parede: – Carcamano! Dove è il mio Giuseppe??? Diante da explicativa de Nicolau, ela não pensa duas vezes:
- Io me recuso a imigrá otra veiz! E tu, torna AGORA pra Argentina buscá mio bambino, o io te capo!
Sem alternativa, Nicolau voltou à Argentina, em outra viagem de três meses. Resignado, explica ao irmão a situação, pega seu delfim, e o traz de volta ao Brasil. Foi a última vez em que os dois irmãos se encontraram. Nicolau Liparotti e Joana Doria morreriam no mesmo ano de 1942, ele em maio, ela em setembro. Estão enterrados no mausoléu da família, no cemitério municipal São José, em Ponta Grossa. Ele virou verbete no Dicionário das Famílias Brasileiras. Dela, uma foto com a cara de brava é a lembrança que ficou. Eram meus bisavós. Giuseppe, irmão mais novo de minha avó, morreu cedo, antes dos 40 anos. E essa história me ajuda a refletir sobre minha própria carcamanice atrapalhada, no melhor estilo metagenealógico.



[1] Alejandro Jodorowsky nasceu em Iquique, Chile, em 1929. É teatrólogo, ator, poeta, organizador de happenings, escritor, roteirista de HQ’s, produtor e diretor de cinema, xamã, tarólogo. Criador da Psicomagia, conceito que propõe a produção de atos psicomágicos com o objetivo de libertar os pacientes da neurose e das limitações do ego. Publicou o romance metagenealógico “Quando Teresa brigou com Deus”. Dirigiu “El Topo” e “A montanha sagrada”. Seu site: www.planocreativo.wordpress.com. Vive em Paris.

[2] Peço desculpas pelo mau italiano, e também licença poética pelo “macarrônico” – nem de longe comparável a “Divina increnca” de Juó Bananére. Caso a leitora amante de Dante encontrar erro crasso, sinta-se à vontade para corrigir este cronista metido a besta. Capisce?

sábado, 16 de março de 2013

A flor do deserto


crédito da imagem: www.dipity.com


Esta história me contou uma pessoa muito especial.
Naquela época, eu caminhava sem rumo por um grande deserto, onde só se se via pedras e poeira. Raramente, algum animal peçonhento cruzava meu caminho. Apesar do perigo e da doença que esses animais representavam, era até bom encontrá-los, porque de algum modo, eles me traziam esperança e certeza na vida que existia além do deserto. 
Um dia, depois de muito andar, para meu grande espanto, pois jamais esperava encontrar nada ali além de miséria e solidão, eu dei de cara com uma flor. Era uma flor linda, única, rara e de uma beleza exótica, bela e misteriosa que, por vezes, cortava com seus espinhos. Pensei em fazer como o Pequeno Príncipe e protegê-la com uma redoma. Quando estava prestes a fazer isso, a Flor acordou, olhou no fundo dos meus olhos, e disse:
- Homem que não deixou de ser menino. O que pensa em fazer?
- Linda Flor, quero protegê-la dos perigos do deserto.
- Não, Homem. Você, na verdade, quer proteger a si mesmo. Você pensa que se me proteger, vai encontrar segurança, a segurança de que eu nunca o abandonarei. Mas na verdade, você vai apenas me prender. Você deseja segurança, mas não sabe o que é isso de verdade.
- E o que é segurança, linda Flor? Perguntei eu, entre o espantado e o desorientado.
- Segurança tem a ver com confiar. Se você confia, está seguro. 
- Mas eu confio em você, linda Flor! Por que não estou seguro?
- Porque, na verdade, você não precisa confiar em mim, mas sim em si mesmo. Se você confia em si, terá a segurança de que precisa. Você compreenderá que confiar é deixar quem você ama livre. É jamais interferir nos sonhos, desejos e vontades do outro. Você saberá que confiar em si o deixará livre para amar integralmente, sem que seja necessário que o outro o ame, porque, quando você ama ao outro, na verdade, você está amando a si mesmo. E se você ama a si mesmo, terá segurança de que jamais se perderá de novo no deserto.
Ouvi aquelas palavras, abandonei a redoma, despedi-me da flor, andei mais alguns passos e saí do deserto.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Gratidão

Para G.


Então, eu acordei e percebi que precisava externar o quanto eu te agradeço.
Agradeço por tudo, por você ter estado ao meu lado - e também por não ter estado.
Quando você estava comigo e eu me sentia elevado, transmudado, acordado, e tudo parecia fazer sentido. Você andando comigo, suas mãos de dedos grandes e macios, braços longos, corpo esguio. Seu andar siamês, que tanto me fazia sorrir, porque eu enxergava ali a magia felina e feminina ancestral, que fazia você parecer para mim tão normal e tão fora do normal. E eu me orgulhava de ter o amor siamês, misterioso, presente naquele olhar que era tão esguio quanto seu corpo deslizando entre minhas mãos. Eu agradeço por sua respiração. Seu pulmão cheio de fumaça e de ar, seu coração que batia e eu sentia, e que parecia tantas vezes que batia junto ao meu. Agradeço pelo sangue que corre em suas veias, que permitiu que você vivesse, e tantas vezes se deixasse levar por minhas histórias, pelas bobagens e coisas supostamente inteligentes que eu dizia. E agradeço por você rir das coisas que só você sabia que eram inocentes, bobas, mas que eu achava que eram inteligentes. Eu sabia o quanto você sentia cada palavra e talvez as compreendesse mais e melhor do que eu. Eu agradeço por suas palavras, ditas de forma nem sempre terna, mas que em todas as vezes me encantavam, me deixavam ciente de que a vida é ouvir a palavra sussurrada ou mesmo gritada, vinda do fundo do peito e da garganta da pessoa amada. Eu agradeço por você ter sido minha pessoa amada. Agradeço por você ter me tirado do sério, ter me feito perceber o quanto é preciso cometer loucuras por amor, o quanto é preciso renunciar para poder somar. Agradeço por você existir e por ter existido em minha vida. Você me mostrou o que é a vida. O que a vida pode ser, o que ela poderia ter sido. Você me mostrou que a escuridão mental em que eu por vezes vivia envolvido não fazia sentido. O sol fazia sentido, mesmo em dias de chuva, em que ficávamos olhando pela janela a água cair, e sonhávamos, falávamos, pensávamos em voz alta sobre as coisas que faríamos na chuva e no sol. Agradeço por você ter sido meu sol. Agradeço por você ter me mostrado que por detrás da minha força aparente, havia uma fragilidade constante, e que eu nunca deixei de ser senão um menino mimado. Agradeço pelos sonhos, por ter me permitido sonhar no quanto poderíamos ter sido felizes e fortes, e em quanto eu e você juntos mudaríamos o mundo, agradeço por você ter me feito perceber que isso, sim, era possível. E nós mudamos o mundo! O mundo não é mais o mesmo depois que você me levou a perceber o quanto tínhamos poder de fazer tudo o que quiséssemos. 
Agradeço por seu cheiro, por seus pés, por seu pescoço, por sua língua e sua boca, por seus cabelos macios e finos que caíam em minha cara e me faziam espirrar enquanto eu dormia. Agradeço pelas vezes em que você me fez cair da cama. 
Agradeço por sua orelha fria, e por sua alma quente. Agradeço por você ter entrado e se instalado em minha mente, de onde muito provavelmente jamais vai sair. 
Agradeço por você existir. Sem você, o que seria de mim? Pobre de mim! Andaria vagando feito alma penada, buscando, buscando, buscando o que eu mesmo não sei, nunca soube, mas que na verdade estava em você e com você. Agradeço por cada segundo. Agradeço a forma absurda como você me descobriu, e depois, como aceitou meu convite para passear num carro velho para um lugar desconhecido. Agradeço a sua coragem por não ter se despedido e seguido seu caminho. Talvez nem você nem eu teríamos acreditado, naquele momento, no quanto isso tudo seria intenso, seria profundo, seria eterno, seria perene. Eu agradeço por você, na maior parte do tempo, ter acertado, e por eu ter estado errado. 
Eu agradeço também por tudo ter mudado, ter se transformado. Agradeço pelo aprendizado. Agradeço por você ter me ensinado coisas que eu ainda não aprendi por completo, mas que calam em meu peito e me deixam melhor, mais forte. 
Agradeço por eu e você termos errado. Agradeço por você não ter estado comigo quando eu precisei, porque eu pude perceber o quanto era importante ter alguém para quem oferecer as coisas, abrir a alma, oferecer a vida.
Agradeço pelos erros, pelas brigas, pelas desconfianças, pelas diferenças, porque essas diferenças mostram que sempre é preciso melhorar, e também mostram que na verdade, as diferenças são apenas complementos, que preenchem e deixam completas as almas que se cruzam. 
Agradeço por sua paciência, por você ter se resignado à minha eloquência louca e sem sentido, minha insegurança e minha confusão mental.
Agradeço por você ter me estapeado, me feito acordar, me feito sorrir e me feito chorar.
Agradeço por nunca termos tido nenhum tipo de pudor em assumir o quão louco, demente, e por vezes, até mesmo indecente foi nosso amor.
Agradeço por me fazer tremer de medo e por ter percebido o quanto é preciso ter coragem para amar. 
Agradeço pelas bebedeiras que tantas vezes nos tiraram do sério e nos fizeram cometer loucuras descontroladas, nem sempre tão boas, mas sempre muito intensas. Agradeço por me fazer acordar de madrugada sozinho e olhar para as estrelas e pensar qual delas era você, qual delas era eu. E pensar que elas brilham eternamente, e que mesmo uma estrela linda, brilhante, pode às vezes cortar.
Agradeço por você ter me mostrado que um homem pode chorar, agradeço por você ter me provado que eu preciso melhorar, preciso me transformar. Agradeço por você ter me feito sentir vergonha do que eu sou, do modo como às vezes agi. Agradeço por você ter acreditado nas vezes em que eu menti. Agradeço por você ter se doado, ter sonhado e ter acreditado que eu e você não éramos "eu" e "você", mas éramos nós. Agradeço por você ter sido muito mais madura do que eu, e também por ter sido muito mais imatura, também. Agradeço por você ter me sufocado, me transtornado, me agarrado como quem se agarra à própria vida. Eu posso ter entendido tudo errado, mas agora vejo que é isso o que move o mundo, e mesmo que tudo esteja terminado, eu penso no quanto isso foi fecundo, no quanto me fez compreender melhor meu mundo.
Agradeço por sua vida, sua forma, sua loucura, seu amor, sua alma, seu corpo, seus olhos, e agradeço cada segundo que vivemos e sonhamos e beijamos e amamos e brigamos e quebramos coisas e rasgamos o coração.
Agradeço por me fazer ter certeza de que nunca, jamais, em nenhuma dimensão, universo, vida, espaço, continente, você vai estar fora de mim, ainda que talvez nunca mais esteja perto, ainda que o sentimento de culpa seja a coisa mais horrível e inútil a se sentir agora. 
Agradeço por você estar em cada esquina e em nenhum lugar.
Agradeço por você me fazer voltar a cantar e, mesmo assim, nunca ter me visto cantar. 
Agradeço por ter tido a oportunidade de te amar, mesmo que talvez eu não tenha conseguido me expressar, e tenham sido meus erros a incapacidade de me explicar, minha incapacidade de me controlar, minha incapacidade de devolver tudo de maneira maior, como você merecia.
Agradeço por ter certeza de estar melhor, como pessoa, depois de você.
Agradeço pelos corações partidos e por pensar que eles poderiam ter se enchido de tudo o que realmente importa.
Mas agora, eu sei, Inês é morta.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

30 mil visualizações!

O blog Caldo de Cana Independente! acaba de atingir  30 MIL VISUALIZAÇÕES.
Gostaria de agradecer a todos os leitores que vem acompanhando este modesto blog, desde 2009.
Parece pouco, mas eu realmente fico muito feliz.
Agradeço de coração a todos os que leem, compartilham, comentam e acompanham o blog.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

YOKO ONO, VIVA!



Aos 80, Yoko Ono continua ativa, criativa e controversa. (imagem fonte aqui)

Imagine, leitora, que você tenha nascido e sido educada no seio de uma família rica, tradicional e respeitável. Com aptidão musical, seria estimulada a estudar piano. Imagine, ainda, que a mandassem estudar numa renomada escola de arte. Ali, após se destacar como aluna, acabaria amiga e colaboradora dos principais artistas de vanguarda do seu tempo: John Cage, Andy Warhol,  Jasper Johns, Stockhausen, entre outros.

Junto de seu marido, um dos grandes músicos do século 20, você encabeçaria uma campanha mundial pela paz, que teria grande repercussão na imprensa e mobilizaria milhões de pessoas em inúmeros países. Suas propostas estéticas antecipariam tendências musicais, artísticas e comportamentais. Sua arte, ligada intimamente ao feminismo, à liberação sexual e aos direitos civis, questionaria o tradicional papel assumido pelos gêneros, e ajudaria a por em xeque os padrões morais da sociedade. É difícil não imaginar que uma trajetória como essa não acabasse, ao final, reconhecida e aclamada. Pois não é o que acontece com Yoko Ono, que completa hoje 80 anos.

Chamada de “a mais famosa artista anônima do mundo” por John Lennon, a vida com o ex-beatle, longe de trazer reconhecimento, levou à acusações difamatórias. A mais infame é de que teria sido responsável pela separação dos Beatles – mágoa que o beatlemaníaco mais xiita ainda insiste em carregar, mesmo depois de 40 anos. Ignorada e ridicularizada por parte da crítica e do showbiz, Yoko foi tachada como excêntrica e incompreensível. Com John Lennon, foi perseguida e vigiada pelo governo Nixon. Acabou por testemunhar o assassinato do marido, pai de seu filho de 5 anos.

Nos últimos quinze anos, entretanto, o público mais jovem e distante das tolas polêmicas da década de 70, tem demonstrado grande interesse por sua música. Yoko também foi homenageada por museus nos EUA, Europa e Japão. No Brasil, em 2007, a retrospectiva organizada pelo CCBB recebeu milhares de visitantes. Ela reuniu a Plastic Ono Band, em 2009, lançou o primeiro disco de inéditas desde 1985 e fez vários shows. Sua música foi revisitada por artistas como Pet Shop Boys, Of Montreal, Flaming Lips, Lady Gaga. Cantoras brasileiras, entre elas Cida Moreira, Zélia Duncan e Angela RoRo, gravaram canções de Yoko no disco “Mrs. Lennon” (2010). O lado ativista se manifesta na campanha pelo uso de fontes de energia alternativa e limpa, na campanha pelo controle das armas e no apoio ao movimento gay.

Apesar de alguns setores das artes, da imprensa e do público continuarem “anti-Yoko”, ouvir os álbuns como Feeling the space (1974), e Approximately infinite universe (1972), pode surpreender aos que pensam nela como a “viúva negra do rock”, e deixará claro o quanto Yoko foi injustiçada pela crítica musical e pelo público bitolado.

*Publicado em conjunto com o site Cultura Plural.