Dedicado à memória de Osni Francisco Silva (1947-2013)
Jodorowsky[1]
afirma que, para conhecer melhor a si mesmo, e melhor lidar com traumas e
limitações, é preciso estudar a árvore genealógica. Por alguma razão, segundo
Jodo, a psique se forma a partir de heranças que recebemos de nossos
ancestrais. Assim, se bem analisarmos e compreendermos a genealogia, é possível
explicar e compreender nossos comportamentos e traumas, e desta forma, viver
melhor.
A pesquisa genealógica é comparável
ao trabalho do arqueólogo: fragmentos surgem de camadas profundas e duras, é
preciso saber interpretá-los, para então montar um quebra-cabeça psíquico,
composto por peças nem sempre – ou quase nunca – completas ou conexas. Ainda
que incompleto, com esforço, paciência e dedicação, através de associações,
intuições e deduções, pode-se ter uma ideia do quadro final, e enfim, compreender
melhor o próprio inconsciente.
A história que lhes conto,
queridas leitoras e leitores, foi inspirada na metagenealogia de Jodorowsky.
O imigrante Nicolau Liparotti,
nascido em Nápoles, veio ao Brasil na década de 1890. Casou-se com Joana Doria
(née Giovanna, teve seu nome
abrasileirado), sua prima distante. No mesmo navio em que vieram, estava
Salvatore, irmão de Nicolau. O casal estabeleceu-se em Castro, onde Nicolau
gerenciou um armazém de secos e molhados no distrito de Socavão. Ali tiveram
seus filhos, com exceção de Vicente, o mais velho, nascido na Itália. Ficaram
em Castro até o fim da década de 1920, e depois, fixaram-se em Ponta Grossa.
Salvatore, por sua vez, optou por morar em Rosário, na Argentina.
Um dia, ainda em Castro, Nicolau
recebeu uma carta em que seu irmão o convidava para uma visita ao país austral.
O ítalo-brasileiro aceitou, e foi, em viagem de mula, trem e navio, que levou
pelo menos três meses, tendo junto consigo Giuseppe, seu filho menor, com 7 ou
8 anos. Lá chegando, ouviu de Salvatore como era bella a terra argentina, e como o rio Paraná era mais bonito
daquele lado da fronteira. Nicolau foi convencido a abandonar o Brasil para morar
com a família no país vizinho: – Ma lasci qui il bambino[2].
Ele fica aqui, pra ir se acostumando! Disse o irmão ítalo-argentino.
Convencido de que era uma boa
ideia, voltou ao Brasil, em nova viagem de três meses. Quando finalmente chegou
em casa, Joana, temperamental como uma boa mamma,
o pôs contra parede: – Carcamano! Dove è il mio Giuseppe??? Diante da
explicativa de Nicolau, ela não pensa duas vezes:
- Io me recuso a imigrá otra veiz! E tu, torna AGORA pra Argentina buscá mio bambino, o io te capo!
Sem alternativa, Nicolau voltou à
Argentina, em outra viagem de três meses. Resignado, explica ao irmão a
situação, pega seu delfim, e o traz de volta ao Brasil. Foi a última vez em que
os dois irmãos se encontraram. Nicolau Liparotti e Joana Doria morreriam no
mesmo ano de 1942, ele em maio, ela em setembro. Estão enterrados no mausoléu
da família, no cemitério municipal São José, em Ponta Grossa. Ele virou verbete
no Dicionário das Famílias Brasileiras. Dela, uma foto com a cara de brava é a
lembrança que ficou. Eram meus bisavós. Giuseppe, irmão mais novo de minha avó,
morreu cedo, antes dos 40 anos. E essa história me ajuda a refletir sobre minha
própria carcamanice atrapalhada, no
melhor estilo metagenealógico.
[1] Alejandro Jodorowsky nasceu em Iquique, Chile, em 1929.
É teatrólogo, ator, poeta, organizador de happenings, escritor, roteirista de
HQ’s, produtor e diretor de cinema, xamã, tarólogo. Criador da Psicomagia, conceito que propõe a
produção de atos psicomágicos com o objetivo de libertar os pacientes da
neurose e das limitações do ego. Publicou o romance metagenealógico “Quando
Teresa brigou com Deus”. Dirigiu “El Topo” e “A montanha sagrada”. Seu site: www.planocreativo.wordpress.com. Vive em Paris.
[2] Peço desculpas pelo mau italiano, e também licença
poética pelo “macarrônico” – nem de longe comparável a “Divina increnca” de Juó
Bananére. Caso a leitora amante de Dante encontrar erro crasso, sinta-se à
vontade para corrigir este cronista metido a besta. Capisce?
Gostei André, é a nossa história, aliás vc tem entrado na na nossa árvore genealógica?
ResponderExcluirbjs
oi, leni! obrigado! estou aos poucos encontrado peças do quebra-cabeças. beijão.
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