quinta-feira, 9 de maio de 2013

HISTÓRIAS DE FAMÍLIA*

*publicado em conjunto com o site cultura plural.


Dedicado à memória de Osni Francisco Silva (1947-2013)

Jodorowsky[1] afirma que, para conhecer melhor a si mesmo, e melhor lidar com traumas e limitações, é preciso estudar a árvore genealógica. Por alguma razão, segundo Jodo, a psique se forma a partir de heranças que recebemos de nossos ancestrais. Assim, se bem analisarmos e compreendermos a genealogia, é possível explicar e compreender nossos comportamentos e traumas, e desta forma, viver melhor.
A pesquisa genealógica é comparável ao trabalho do arqueólogo: fragmentos surgem de camadas profundas e duras, é preciso saber interpretá-los, para então montar um quebra-cabeça psíquico, composto por peças nem sempre – ou quase nunca – completas ou conexas. Ainda que incompleto, com esforço, paciência e dedicação, através de associações, intuições e deduções, pode-se ter uma ideia do quadro final, e enfim, compreender melhor o próprio inconsciente.
A história que lhes conto, queridas leitoras e leitores, foi inspirada na metagenealogia de Jodorowsky.
O imigrante Nicolau Liparotti, nascido em Nápoles, veio ao Brasil na década de 1890. Casou-se com Joana Doria (née Giovanna, teve seu nome abrasileirado), sua prima distante. No mesmo navio em que vieram, estava Salvatore, irmão de Nicolau. O casal estabeleceu-se em Castro, onde Nicolau gerenciou um armazém de secos e molhados no distrito de Socavão. Ali tiveram seus filhos, com exceção de Vicente, o mais velho, nascido na Itália. Ficaram em Castro até o fim da década de 1920, e depois, fixaram-se em Ponta Grossa. Salvatore, por sua vez, optou por morar em Rosário, na Argentina.
Um dia, ainda em Castro, Nicolau recebeu uma carta em que seu irmão o convidava para uma visita ao país austral. O ítalo-brasileiro aceitou, e foi, em viagem de mula, trem e navio, que levou pelo menos três meses, tendo junto consigo Giuseppe, seu filho menor, com 7 ou 8 anos. Lá chegando, ouviu de Salvatore como era bella a terra argentina, e como o rio Paraná era mais bonito daquele lado da fronteira. Nicolau foi convencido a abandonar o Brasil para morar com a família no país vizinho: – Ma lasci qui il bambino[2]. Ele fica aqui, pra ir se acostumando! Disse o irmão ítalo-argentino.
Convencido de que era uma boa ideia, voltou ao Brasil, em nova viagem de três meses. Quando finalmente chegou em casa, Joana, temperamental como uma boa mamma, o pôs contra parede: – Carcamano! Dove è il mio Giuseppe??? Diante da explicativa de Nicolau, ela não pensa duas vezes:
- Io me recuso a imigrá otra veiz! E tu, torna AGORA pra Argentina buscá mio bambino, o io te capo!
Sem alternativa, Nicolau voltou à Argentina, em outra viagem de três meses. Resignado, explica ao irmão a situação, pega seu delfim, e o traz de volta ao Brasil. Foi a última vez em que os dois irmãos se encontraram. Nicolau Liparotti e Joana Doria morreriam no mesmo ano de 1942, ele em maio, ela em setembro. Estão enterrados no mausoléu da família, no cemitério municipal São José, em Ponta Grossa. Ele virou verbete no Dicionário das Famílias Brasileiras. Dela, uma foto com a cara de brava é a lembrança que ficou. Eram meus bisavós. Giuseppe, irmão mais novo de minha avó, morreu cedo, antes dos 40 anos. E essa história me ajuda a refletir sobre minha própria carcamanice atrapalhada, no melhor estilo metagenealógico.



[1] Alejandro Jodorowsky nasceu em Iquique, Chile, em 1929. É teatrólogo, ator, poeta, organizador de happenings, escritor, roteirista de HQ’s, produtor e diretor de cinema, xamã, tarólogo. Criador da Psicomagia, conceito que propõe a produção de atos psicomágicos com o objetivo de libertar os pacientes da neurose e das limitações do ego. Publicou o romance metagenealógico “Quando Teresa brigou com Deus”. Dirigiu “El Topo” e “A montanha sagrada”. Seu site: www.planocreativo.wordpress.com. Vive em Paris.

[2] Peço desculpas pelo mau italiano, e também licença poética pelo “macarrônico” – nem de longe comparável a “Divina increnca” de Juó Bananére. Caso a leitora amante de Dante encontrar erro crasso, sinta-se à vontade para corrigir este cronista metido a besta. Capisce?

2 comentários:

  1. Gostei André, é a nossa história, aliás vc tem entrado na na nossa árvore genealógica?
    bjs

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  2. oi, leni! obrigado! estou aos poucos encontrado peças do quebra-cabeças. beijão.

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