terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Uauá, a terra dos pirilampos


Uauá sempre foi uma surpresa para mim. Da primeira vez que lá estive, tudo o que eu sabia era que ali havia começado a Guerra de Canudos. A história da Guerra conta que o Conselheiro havia comprado e pagado adiantado umas madeiras para reformar a Igreja do Belo Monte. Porém, o dono da loja, malcomunado com os latifundiários e a Igreja Católica, não entregou o produto, esperando pela reação dos canudianos. Conselheiro e seu séquito vieram de Canudos buscar o que era seu de direito e foram recebidos à bala pela volante. O que a polícia de Uauá não esperava, entretanto, era a violenta reação do povo, que em nome da fé em seu líder sebastianista e monarquista, afugentou a polícia de Uauá. As autoridades, temerosas, enviaram telégrafo à capital informando que um bando de fanáticos contra a igreja e a república provocaram um conflito - a primeira mentira desta infâmia, que contaminaria o país numa campanha "civilista", depois desmentida pel'Os Sertões de Euclides, os filmes de Glauber Rocha e a obra do mestre José Calasans Neto.
O que aconteceu, então, a história registrou como uma das mais sangrentas e desproporcionais reações legalistas de todos os tempos: 15 mil mortos num genocídio patrocinado pelo Estado e levado à prática por um exército sanguinário, composto de soldados de todas as partes do país - quase todos com uma idéia distorcida do que lá acontecia, como toda a opinião pública da época. Detalhe: dos 15 mil mortos, a maioria era composta de crianças, suas mães e velhos. Semelhanças com a Palestina de hoje? Ou será que a frase do velho Marx, que diz que a história só se repete como farsa, faz cada vez mais sentido? Para conclusões, leiam Os Sertões, Darcy Ribeiro, Mário de Andrade, poesia de cordel, ouçam Chico Science e assistam aos filmes de Glauber Rocha e viajem pelo Sertão.
Até 2001, a casa onde a guerra havia começado estava em pé. Inexplicavelmente, foi abaixo, ao que parece numa disputa de família que pôs fim a uma página viva da História do Brazyl. Não deixa de ser sintomático que a casa em que a guerra de Canudos começou não exista mais (o que há no lugar é um terreno baldio), que Canudos antiga esteja debaixo das águas do açude de Cocorobó, obra do governo militar (para voltar à tona, na época da seca, como que se confirmasse a prédica do Conselheiro "O Sertão vai virar mar e o mar vai virar Sertão"), e que se tenha botado fogo nas imagens sagradas do Senhor Bom Jesus dos Passos e de Nossa Senhora da Conceição, em Monte Santo. Nossa história, manchada de sangue e infâmia, é mais uma vez maculada pela ignorância dos homens e a petulância dos governantes.
Na língua indígena, Uauá significa "pirilampo". E de fato, a cidade brilha. Brilha de dia, com o sol forte do sertão, cuja luz faz um contraste fantástico com a terra arenosa e a vegetação espinhenta, composta de cactus como faxeiro, mandacaru, cabeça de frade, palmas do inferno, e árvores como o umbuzeiro e suas folhas e frutos adocicados, a frondosa caraibeira, as vermelhas siriguelas, a traiçoeira favela, o dolorido cansanção. À noite, o famoso "luar do sertão" se impõe e produz um brilho branco, tênue, que confunde a alma e dá asas à poesia.
Uauá brilha em seu povo: uma das grandes alegrias da minha vida foi haver reencontrado o patriarca da família Varjão Damasceno, seu Turíbio, 97 anos de lucidez, e também seus filhos e netos: dona Judith, suas irmãs Eugênia e Lurdes, o genro seu Maninho, as netas Sandra e Silvinha, os netos Marcelo e Márcio. Rever os velhos amigos e surpreendê-los, assim como eles também me surpreenderam - disseram que não acreditavam que eu voltaria algum dia. Sete anos se passaram... E pensar que tudo isso começou por causa de um jegue! (Esta história eu conto outro dia).
Também revi Gorete, dona do bar mais animado de Uauá, o Brida's, e lá pude abraçar a doce Kiara e seu filho, travar conversas profundas com Jorginho, seu irmão, e fazer novos amigos, José Luis, Alexandre e Rodrigo, que me deram carona até Feira de Santana, só para eu poder assistir ao luar mais lindo de toda minha existência.
Também conheci o poeta e cantor Cláudio Barris, que com sua música contemporânea sintetiza o que há de mais tradicional da verve sertaneja.
Uauá brilha. Minha alma também.
Conheçam os Sertões, pois lá está nossa alma ancestral, e ainda é possível ver as cabezas cortadas de Antônio Conselheiro, Lampião e Maria Bonita, Corisco e Dadá, Glauber Rocha, Euclides da Cunha pairando no céu com diamantes, e lá no alto, se pode avistar o cadáver infame de Moreira César, como para dizer que o sertão não se renderá jamais a uma estética ou uma ideologia que não seja gerada em suas próprias entranhas.
VIVA O POVO BRAZYLEYRO.
(é claro, as fotos postarei depois).

4 comentários:

  1. André, sou sua fã.
    eternamente.
    um dia vou ver esse luar tb.
    vc está no meu coração.
    beijos
    Lídia

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  2. O mundo evolui, mas em certas coisas não.
    Vamos continuar empacados em certos assuntos...
    Beijos, volta logo.

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  3. eu quero ir embora pra um lugar onde a carne fosse pobre mas a alma fosse rica.

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