A vida muda muitas vezes de forma rápida e definitiva. Eu havia pensado que passaria as férias de julho na Argentina, vejam só, acabei passando as férias no Paraná.
Mas valeu a pena, por várias razões. Logo no meu primeiro dia em PG, saí pra dar uma volta e encontrei o Buda, por acaso, na rua. Havia um ano, mais ou menos, que não nos falávamos, e foi legal tê-lo encontrado, justamente em PG.
Fomos à casa da Karla, que é minha amiga há pouco tempo, mas é amiga do Buda desde que os dois eram adolescentes. Eu e Karla havíamos sido convidados por nosso amigo Carlos Werlang para visitá-lo em Canoinhas. Existem algumas coisas que unem a mim, Buda, Karla e Carlos: literatura, especialmente a literatura subversiva, viagens, budismo, carros velhos e um desejo de criar situações favoráveis, que nos deem a sensação de estarmos vivos.
Então, resolvemos que iríamos a Canoinhas de vermêio, o fusca 1977 de Buda, um carro que seria perfeito para o papel de "Se meu fusca falasse" - ainda que algumas coisas que ele falasse, seriam difíceis de acreditar.Fomos à casa da Karla, que é minha amiga há pouco tempo, mas é amiga do Buda desde que os dois eram adolescentes. Eu e Karla havíamos sido convidados por nosso amigo Carlos Werlang para visitá-lo em Canoinhas. Existem algumas coisas que unem a mim, Buda, Karla e Carlos: literatura, especialmente a literatura subversiva, viagens, budismo, carros velhos e um desejo de criar situações favoráveis, que nos deem a sensação de estarmos vivos.
Caonoinhas, Santa Catarina.
A ideia da viagem foi em parte inspirada por um capítulo de On the Road, de Jack Kerouac. Naquele episódio, Sal, Dean e Stan Shepard se preparam para viajar para o México, desde San Francisco, em um calhambeque Ford 1937 que Dean havia comprado e mandado para a revisão, para então partirem em uma viagem de 2 mil quilômetros rumo ao sul, dias e dias em estradas empoeiradas, entre desertos e fronteiras, lentamente em busca de aventura, ao encontro do diferente.
Stan se despede do velho avô. O velho, às lágrimas, implora que ele não vá, mas assim mesmo ele parte. Nós saímos de Ponta Grossa na sexta-feira à tarde, depois de o Buda haver pegado o vermêio na oficina. Vermêio, aparentemente, é um calhambeque. Mas o motor, a suspensão e os freios estão em perfeito estado, e o fusquinha que já encarou várias aventuras preparava-se para mais uma. Desde que o comprou, Buda vem rodando o centro-sul do Brasil loucamente, carregando a família e eventualmente os amigos, para cima e para baixo.
O frio sucedeu à chuva de mais de uma semana, num clima típico do inverno no sul, e lá fomos nós, numa tarde ensolarada.
Uma imagem filosófica
A primeira parada foi em Irati, onde passamos uma noite agradável em companhia de minha irmã, meu cunhado e meu sobrinho de 1 ano e meio. Pizzas, grappa, quentão e chimarrão animaram as histórias, lembranças e conversas até mais ou menos meia-noite, quando todos fomos dormir, já que a ideia era acordar cedo e seguir viagem.
O vermêio e a caixa d'água em forma de cuia, São Mateus do Sul.
A estrada entre PG e Irati é o início da região Sul do Paraná, colonizada por tropeiros, caboclos, polacos, ucranianos e alemães. A economia rural é baseada na produção de erva-mate, no extrativismo, pecuária, feijão e maçã. A paisagem é bastante peculiar, composta por araucárias, matas, pastagens, carroças, bicicletas, varais coloridos, igrejinhas, cemitérios, casas de madeira pintadas de verde, vermelho, azul, amarelo, névoa, frio.
A turma e o vermêio, em Irati.
Valério e o "fu"
Entre Irati e São Mateus do Sul, muito frio.
Paisagem hiemal.
De Irati, fomos à São Mateus do Sul, no último trecho sem asfalto, cerca de 40 km de estrada que muito pouco mudou nos últimos 150 anos. São Mateus é um reduto da colonização polonesa no Paraná, com forte presença da cultura polaca na culinária (especialmente nos pieroguis e cracóvias) e na arquitetura (igrejas, casas e a onipresente reverência ao chimarrão, em forma de monumentos e da caixa d'água da cidade, que tem forma de cuia).
Karla, introspectiva.
Buda, em seu estado natural.
Vermêio ama o barro.
Demos uma volta pela cidade e seguimos em direção à Três Barras, já em Santa Catarina, na chamada Região do Contestado. A região tem esse nome porque foi palco de um sangrento conflito armado, envolvendo os governos de Santa Catarina e Paraná, por conta de um litígio sobre as terras do meio-oeste. Cenário de uma guerra que durou anos, matou milhares de pessoas, envolveu jagunços, dois profetas messiânicos(João Maria e José Maria), fanatismo religioso, fome, mitos, genocídio (a batalha do Irani matou mais ou menos 10 mil pessoas)e ainda o interesse especulativo da empresa norte-americana Brazil Railway Company, que desapropriou milhares de hectares de terra às margens da ferrovia, num ato que foi um dos barris de pólvora desta guerra ridícula. É uma parte da história do Brasil comparável ao episódio de Canudos, com toda certeza. Talvez o que tenha faltado para que tivesse o mesmo peso histórico e emblemático para nosso senso comum fosse um Euclides, que não houve por cá.
Canoinhas é uma das cidades desta região, que tem como centro Caçador (SC), e União da Vitória-Porto União (PR-SC).
Chegamos lá em um dia muito frio. Almoçamos no restaurante Therapia, de propriedade da família de nosso amigo Carlos. Um restaurante muito bom, com um cardápio excelente, e um bar também refinado.
Composição com bicicletas.
Uma velha casa no estilo polonês e a torre da Igreja de São Mateus do Sul
Pinhão, abóboras e criança na feira em São Mateus do Sul
Após isso, fomos até a Cervejaria Canoinense, em atividade desde 1902, de propriedade do senhor Rupprecht Loeffler, 92 anos de idade, provavelmente o último mestre cervejeiro do Brasil. A cerveja e o chope Nó de Pinho (servido em garrafas de 1 litro de refrigerantes antigos, e em canecos de chope de porcelana) caíram perfeitamente naquela tarde fria, nos dando uma sensação de que pouca diferença havia entre aquilo e uma velha cervejaria artesanal no interior da Alemanha nos anos antes da guerra.
Na divisa entre Paraná e Santa Catarina, mais frio.
Carlos e Karla, na Choperia Canoinense, provavelmente a mais antiga do Brasil.
Ein prosit!
Sr. Rupprecht Loefflel, mestre cervejeiro, e sua irmã, Dona Erica.
Onde beberíamos chope artesanal em garrafas de minuano limão?
A choperia é decorada com inúmeras fotografias, cartazes, garrafas e animais taxidermizados, que segundo dona Erika Schreiber, 88 anos, irmã de Seu Loeffler, ele mesmo caçou e empalhou. Ficamos umas boas duas horas naquele lugar fantástico e depois seguimos até o velho cemitério alemão de um distrito de Canoinhas. Ótimas fotos, ótimos momentos com ótimos amigos.
No outro dia, voltamos eu e Buda com o vermêio para Ponta Grossa (Karla voltou com Carlos).
O antigo cemitério alemão de Canoinhas.
Carlos, Buda e Karla
Na parada em Palmeira, ainda deu tempo de visitar meus amigos João, Marlene, Micheline, Jaqueline e sua filha Maria Gabriela, com quem tenho estreitos laços de amizade e por quem cultivo enorme carinho.
Reencontro com a família Oliveira, em Palmeira, Paraná, ao final de mais uma grande viagem.
Para um fim de semana chuvoso e frio, no Sul, valeu a pena demais.