quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Caranguejos com cérebro: 15 anos sem Chico Science



Depois do terrível evento social de ontem, o velório do jornalista Victor Folquening, um prodígio da sua área, morto antes dos 40, de maneira estupidamente trágica num acidente de trânsito quase banal em Curitiba,  hoje as "redes sociais" me fazem recordar que faz 15 anos que morreu Francisco de Assis França, o Chico Science. 
Eu me lembro com tristeza daquela noite de 1997, véspera de Carnaval, em que eu estava trabalhando/ aventurando num bar da Lagoa da Conceição, no verão de Floripa e tendo a meu favor o elã dos 20 anos, quando logo no início da noitada, o DJ da casa chegou e disse: "avisa a galera que o Chico Science morreu". Minha reação foi parecida a de quase todo mundo da minha geração que se ligou naqueles caranguejos com cérebro, vindos do distante e até então mítico Recife, para a afirmar a força viva, jovem e criativa da música brasileira: espanto, surpresa e tristeza. Como assim, "Chico Science morreu"? Na véspera do Carnaval, ainda? No mínimo, uma piada de mau gosto...
Lembro-me de ter ficado extremamente triste, ainda mais porque, pouco tempo antes, Chico e a Nação Zumbi fizeram um show para alguns gatos-pingados no extinto aeroanta em Ponga Trossa e... eu não fui! Nunca me redimi completamente do fato, nem quando a Nação Zumbi, uns 10 anos depois, tocou novamente em PG, num show memorável - desta vez, eu estava presente, mas aquela falta nunca será completamente sanada. 
Nunca houve dúvidas de que Chico era o maior nome da música brasileira nos anos 1990. Sua música e suas ideias eram a resposta perfeita para quando meu pai desfazia em tom de piada das "gerações coca-cola", perguntando "quem é tão marcante agora, que possa se comparar aos Beatles, Pink Floyd, Roberto e Erasmo, Chico Buarque, Elis Regina, Raul Seixas? Tua geração é pobre musicalmente". O aparecimento de Chico Science e a Nação Zumbi veio para nos redimir e me dar a resposta adequada ao conflito de gerações, Foi legal ouvir meu pai admitir "- Sim, esse rapaz é bom". E ele também ficou realmente chateado com a morte do cantor.
O empobrecimento da MPB talvez no atual momento chegue ao seu extremo mais radical, com o lixo cultural que nos é imposto goela abaixo como óleo de rícino e vendido como "música" ou "fenômeno musical". Nem vou citar nomes, porque não quero macular meu texto com o baixo-espiritismo dos íncubos sem cérebro que  se apresentam como "músicos" e tomaram conta do ambiente musical brasileiro para chafurdar e submeter nossos ouvidos aos dejetos de sua mediocridade. 
Só sei que Chico Science faz muita falta, e cada vez mais, em especial quando penso que sua carreira meteórica, seus dois discos gravados, poderiam ter sido lançados semana passada. A força é igual. Chico e o movimento que ficou conhecido como Manguebeat influenciaram definitivamente a música, a poesia, a moda, o pensamento daqueles que, como eu, tinham 20 e poucos anos entre o fim do século passado e o início deste século de incertezas. Para mim, sempre foram uma referência, uma influência que para sempre vou carregar. Tenho muitas saudades. 
Uma vez, perguntado sobre o que mais amava em sua terra, ele respondeu: "A vista do Recife a partir de Olinda, e a vista de Olinda a partir do Recife". Ironicamente, ou talvez como um louro que os deuses somente oferecem para os verdadeiros iluminados, Chico Science morreu exatamente na ponte que une Recife a Olinda, quando se preparava para participar do pré-carnaval de Olinda. 15 anos se passaram desde então. Hoje, especialmente, ainda afetado pela morte de Victor Foquening, que também era uma referência e uma influência para minha geração, carrego a amarga sensação de que o tempo implacável e cruel está nos tornando em velhos e saudosistas, e não há nada que se possa fazer a respeito. Tento lutar contra isso, mas o duro é que nem mesmo podemos nos consolar com a genialidade musical de Chico Science, ou as ironias inteligentes e a visão aguda de Victor. 
Os deuses são irônicos e cruéis com os pobres humanos. 
Nos presenteiam com uma mão e retiram implacavelmente com a outra. 

Nossa vingança é a memória.



A CIDADE (Chico Science & Nação Zumbi)

O sol nasce e ilumina
As pedras evoluídas
Que cresceram com a força
De pedreiros suicidas
Cavaleiros circulam
Vigiando as pessoas
Não importa se são ruins
Nem importa se são boas
E a cidade se apresenta
Centro das ambições
Para mendigos ou ricos
E outras armações
Coletivos, automóveis,
Motos e metrôs
Trabalhadores, patrões,
Policiais, camelôs
A cidade não para
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce
A cidade não para
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce
A cidade se encontra prostituída
Por aqueles que a usaram
Em busca de uma saída
Ilusora de pessoas
De outros lugares,
A cidade e sua fama
Vai além dos mares
E no meio da esperteza internacional
A cidade até que não está tão mal
E a situação sempre mais ou menos
Sempre uns com mais e outros com menos
A cidade não para
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce
A cidade não para
A cidade só cresce
O de cima sobe
E o de baixo desce
Eu vou fazer uma embolada,
Um samba, um maracatu
Tudo bem envenenado
Bom pra mim e bom pra tu
Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus
Num dia de sol Recife acordou
Com a mesma fedentina do dia anterior.

4 comentários:

  1. 15 anos da morte do Chico Science, faz falta, mas, a Nação continua, 8 discos, trajetória bonita, estes dias ouvi uma música do Loustal, anterior ao CSNZ, já dava pintas dos dois discos fantásticos que gravariam juntos. Isso sim é soar brasileiro, regional, sem se chato, caricato.... gosto das letras e a banda alucina. Valeu mestre!

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  2. Querido, seus textos são embebidos de uma virulência pulsante, assim como a sensação que ouvir os dois discos do Chico Science e Nação Zumbi! 15 anos sem... lembro como se fosse hoje, tinha 15 anos e assistia Jornal Nacional com meus pais...

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  3. Chico Science também representa a cultura nordestina e uma perda até hoje sentida por nós brasileiros.Ótimo texto!!

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  4. Chico me fez descobrir um Brasil numa época em que eu nem sabia o que era o mundo direito mas já achava o máximo o Grunge! Chico e tudo que veio após ele despertaram em mim um orgulho de ser brasileiro que permanece em mim até hoje. Coloquei um chapéu coco de palha, um óculos bem grande sobre meu bermudão xadrez e sai de andada. Arroiz

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