terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Monte Santo, Serra da Santa Cruz

Observo a vista exuberante dos Sertões, sempre tão propagada por cineastas, literatos, fotógrafos, etnógrafos, antropólogos, historiadores. Penso em Glauber Rocha. Seu filme foi uma semente plantada por um Deus e um Diabo, e foi essa florada que me trouxe de volta até aqui pela segunda vez depois de sete anos. A subida íngreme e tortuosa de 3 quilómetros e meio exige bom preparo físico. Serve como exercício de paciência e metáfora da vida. As rochas estão aqui há milhares de eras, a mão do homem apareceu para esculpir o caminho há pouco mais de 300 anos. A Via Sacra tem sido a única testemunha dos sacrifícios, orações, martírios, promessas, genocídios, imolações, transformações que por aqui passaram durante todo os últimos 3 séculos. Isso tudo aconteceu durante a nossa recente, mas nem por isso desinteressante, história do Brazyl. Do alto desta Serra da Santa Cruz,o coronel Moreira César, considerado por anos como o "grande estrategista" do exército imperial e depois republicano, saiu soberbo para ser eliminado de forma ridícula para um militar de sua patente, com um tiro certeiro na nuca, de uma espingarda de pederneira ou bacamarte, atirado por um jagunço que pelo coronel era considerado um "fanático", "sub-raça", "inimigo". As consequências deste tiro foram muito além da humilhação do orgulhoso exército republicano por uma corja famélica de fanáticos. O exército e a república, que viram mártir seu grande comandante, não hesitaram em realizar o maior genocídio da história republicana do Brazyl, que significou a aniquilação total do sonho do Belo Monte, com a degola de 15 mil pessoas às margens do rio Vaza-Barris.
Passados mais de 100 anos daquela infâmia, me parece ainda que o maior legado da estúpida Guerra de Canudos é justamente a marca registrada da burocracia republicana, que possui como característica a incompreensão segregacionista e sectária, fonte das divisões da sociedade contemporânea - assim como no passado também o foi.
Monte Santo e eu estamos diferentes. Sete anos depois, o que vi foi uma cidadezinha incrustrada aos pés de uma serra, quente, esperando sempre por aquilo que governantes néscios creem ser o "progresso", e que na prática significa construções bizarras em constraste com a arquitetura colonial e sertaneja, que põem fim ao passado sem ao menos tentar compreendê-lo. Queimaram as imagens centenárias do Senhor Bom Jesus dos Passos e de Nossa Senhora da Conceição. Essas imagens estavam aqui desde 1775 e vieram de Portugal com o jesuíta que ergueu a Via Sacra, portanto é possível que tenham mais de 4 séculos.
A foto mais bonita que eu tirei em 2002, das crianças sorridentes na porta azul de uma casa no início da Via Sacra, ainda não chegou ao seu destino - as pessoas fotografadas.
Perguntei a um jovem chaveiro vizinho por onde andavam as crianças e ele me disse que "se perderam". Então, toda inocência terá se perdido? A minha também? Será que aquela imagem não terá passado de mero sonho, suspiro, lampejo, anseio por vida verdadeira e um país de verdade?
Sinto-me como um velho soldado que volta ao desolado campo de batalha, depois de anos. Porém, sempre há beleza aqui: ouço o cantar dos pássaros sertanejos que eu não sei o nome, vou a uma venda típica, com um velho balconista que oferece cachaça, fumo, velas, fósforos, sandálias, cereais, produtos de primeira necessidade. Dona Lenita, proprietária do Hotel Grapiúna, que foi namorada de Maurício do Vale durante a filmagem de Deus e o Diabo na terra do sol, o bicheiro puxa-saco do prefeito, a garota linda que gerencia o hotel, o fotógrafo comunista Zé Raimundo, que ainda não encontrei.
Da última vez, se não fosse sua generosidade e compreensão, eu não teria feito as fotos que fiz, porque minha câmera havia sofrido avarias e ele me emprestou sua Prátika e ainda deu dicas de como fotografar lá do alto.
Hoje, as coisas se repetiram: em 2002, eu subi o Monte com Zé Ronaldo no primeiro dia, sem câmera. Hoje, subi sem o equipamento, porque estava sem bateria. Eu resolvi subir para observar, à lá Jodorowsky. Outra coincidência é o fato de que as capelas e a igreja no alto estavam fechadas. E também o fato de que Zé Raimundo não estava em casa, só voltaria mais tarde. E também que o sineiro Manoel lá estava, sozinho, contemplando silencioso a paisagem do alto.
Aqui estou. Jurei que voltaria e voltei. Ainda tenho outras promessas que pagar.
Espero que amanhã eu consiga postar as fotos.

3 comentários:

  1. Andrezinho, tudo em cima na viagem? Lembre de postar várias fotos.Já fazem quantos dias que você partiu? E não esqueça: volte de mente lavada!

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  2. Valeu André. Bonitas histórias de vida e fatos da vida Real nesse Brasil nordestino.
    Estamos contentes emsaber que você está gostando e aproveitado ao máximo os prazers que a cultura oferece. Parabéns pela iniciativa e eloqüência dasnaativas.
    Abrçs, Theo.

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  3. Oi André, concordo plenamente com vc, ao dizer que a guerra de canudos foi ESTÚPIDA! no Diário de uma Expedição de Elclides, ele relata que enquanto o capitão Moreira Cesar caia morto, o povo pulava carnaval nas ruas de Salvador, ironia do destino! A ultima vez que estive em Monte Santo foi 2002, se tudo der certo, penso ir esse ano em dezembro.Zenaide

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