sexta-feira, 12 de março de 2010

Glauco Villas Boas (1957-2010)


Hoje tinha tudo pra ser um dia normal.

Pra falar a verdade, tinha tudo pra ser um dia bom: depois de três meses de lama e procrastinação, eu finalmente mandei minha bicicleta pro conserto, é sexta-feira, meu trabalho tá legal, o jornal dos alunos do Cefet tá iniciando de uma maneira bem bacana, eu consegui adotantes para todos os filhotes da minha gata, minhas contas estão pagas, eu comprei broto de feijão, brócolis, cenoura, pimentão amarelo, couve-flor, shoyu, e ia fazer um yaksoba para o almoço.

Andava meio indeciso se comprava ou não minha passagem pra passar a Páscoa com a família.

Sim, tinha tudo pra ser um dia tranquilo. Um dia bom. Acordei cedo, fiz café, dei uma saidinha até a padaria pra comprar pão e vi que o céu estava bem azul, está fazendo aquele calor forte de BH, mas eu estava feliz, até meio preguiçoso.

Não sei porque, abri a internet.

Aí, vejo, ainda meio sonolento, a notícia do assassinato do Glauco, o pai do Geraldão, da dona Marta, do Faquinha, do Geraldinho, do Zé do Apocalipse.

Eu não acreditei. O Glauco assassinado?? Como assim?

Na verdade, depois de absorver o baque, compreendi que realmente ele, aos 53, e seu filho Raoni, aos 25 anos, tinham sido mortos em sua casa.

Pouco importa o motivo desse crime, o que mais me deixa chocado é o fato de se matar, assim, sem mais nem menos, banalmente, um pai e um filho, diante da esposa e irmã.

No começo, suspeitavam de um assalto. Depois, estão dizendo que o assassino se trata de um anormal, conhecido da família, que teria invadido a casa e matado os dois sem um motivo aparente.

Pouco importa o motivo.
Pra mim, o que pega é justamente o fato de que mataram um dos nossos grandes cartunistas, um dos mais importantes artistas brasileiros das últimas décadas, um cara com uma percepção da realidade aguda e que fazia do humor uma maneira de dar um tapa na cara de tudo o que nos incomoda neste país: a corrupção, os políticos, os fanáticos religiosos, a violência, nossas neuras, nossa falta de grana, os menores abandonados.
Humor e humanidade, talvez sejam as palavras que melhor definam o Glauco.

Eu amava o Geraldão, desde quando eu tinha 8 anos. O Geraldão foi um dos responsáveis (junto com os personagens do Angeli e do Laerte) por me tornar um leitor. Meu pai comprava semanalmente a Folha de São Paulo, nos anos 1980, e eu lia de cabo a rabo o caderno Ilustrada, e me lembro bem, fazia coleção das tirinhas dos três cartunistas.

Depois, veio a Chiclete com Banana, com aquele humor escrachado e referências aos beats, aos textos e escritores malditos da literatura universal, e também a drogas, sexo, orgias, de maneira até então inédita na imprensa brasileira.

A morte violenta desse cara me deixou choado.
Fiquei triste. Chorei. Meu dia, que tinha tudo pra ser normal, foi um dia de merda, minhas aulas foram ruins, o calor de 37 graus me incomodou, e minha bicicleta tá arrumada, mas eu não tou com a menor vontade de pedalar.

Não sei o que pensar, me sinto de mãos atadas e também violentado pela falta total de sentido na morte de um dos nossos ícones culturais.

Um vazio enorme e sem sentido toma conta de meu pensamento.

Espero que esse país de merda melhore algum dia.

5 comentários:

  1. O ruim de tudo isso é que eu não sinto mais nada quando vejo essas merdas acontecendo.

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  2. Espero que este país de merda melhore algum dia. Espero que a brutalidade humana possa ser controlada. Espero, um dia, não ter mais que pagar impostos para sustentar assassinos como esse numa cadeia - isso, se considerarmos, positivamente, que ele vai ser preso.
    Hoje tive um dia vazio. Me senti absolutamente devastada, com aquele sentimento de que para a agressividade humana não há limites, de que nada mais tem jeito.
    Falei com o Glauco no final do ano passado para que ele participasse de um evento que eu organizava aqui na Abril.
    Nesta madrugada alguém destruiu uma família. Duas pessoas interessantes a menos no mundo. Mesmo assim, como você, espero que este mundo de merda melhore algum dia.

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  3. Assim como você, eu tb lia as tirinhas do Geraldão na Ilustrada, porém uma década mais tarde. Assim como você, eu tb gostaria que esse país de merda melhorasse um dia. Mas de qualquer forma, a questão pra mim é que esse teu post é de uma sensibilidade raramente encontrada por aí. Simplesmente comovente André.

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  4. Eu também gostava muito do trabalho do Glauco, era um baita cartunista, o cara era demais...
    Ás vezes me pergunto em que mundo estamos... Porra, matar um homem e seu filho SEM MOTIVO ALGUM, e como você mesmo disse, mesmo que tivesse motivo, nem se deveria cogitar matá-los... Coloco um [2] no que você disse... Espero que um dia esse país de merda melhore.
    Bjs

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  5. Ah... eu só estou triste por causa de mulher mesmo...

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