sexta-feira, 15 de abril de 2016

Quarentinha na cachola

Uma efeméride é, segundo o dicionário, algo passageiro, que só dura um dia, coisa fugaz. 
Minha efeméride, hoje, é a comemoração dos meus 40 anos. 4 décadas de vida é um número a se considerar. Alguns podem dizer que alcancei, finalmente, a "idade da razão". Não tenho tanta certeza disso. Em todo caso, estou me sentindo pessoalmente satisfeito. É claro que, dentro de mim, sinto o desejo e o anseio por muitas coisas a se conquistar, pois reconheço que não conquistei nem metade das coisas que eu queria. Mas aqui estou. Quarenta anos. Uma vida inteira pela frente. A vida que começa. Jovem ainda. Um brinde aos clichês.
Com um ano, eu era tão bonitinho.

O que me deixa feliz de verdade é poder chegar a esta idade e ter o privilégio de ter meus pais vivos, de ter alguns amigos que posso considerar de verdade, de estar em São Paulo, estar feliz no amor e estar bem comigo mesmo. 
Algo marcante para mim foi finalmente ter lido o clássico "Uma breve história do tempo", de Stephen Hawking, neste ano. Ainda que meu entendimento da teoria da física e dos preceitos matemáticos seja, confesso, limitado - e que talvez eu tenha conseguido compreender direito só uns 30% da obra, posso dizer que tornou-se um livro para mim fundamental, que ampliou deveras minha compreensão das coisas e me fez refletir sobre nosso estágio primitivo em contraste com nosso desejo inerente de saber por que estamos aqui e de onde viemos. Hawking é um herói, e isso é mais uma coisa boa desses 40 anos: ter a honra de ser contemporâneo de um gênio. 
Agora, aos 40, eu continuo engraçadinho por demais. 
Algo que me chamou atenção bastante no livro, para além das elocubrações físico-matemáticas e a sua perspectiva filosófica, foi o final do livro. No apêndice, Hawking faz uma pequena análise da personalidade de três grandes gênios: Albert Einstein, Isaac Newton e Galileu Galilei. Os três foram, a seu modo e a seu tempo, responsáveis pelos avanços da ciência e do racionalismo que formam a gênese do método científico e dos avanços tecnológicos empreendidos contemporaneamente. No entanto, Hawking chama atenção para aspectos pouco lembrados quando se evoca a memória desses três grandes indivíduos: suas dúvidas, suas limitações humanas, suas titubeações, sua submissão à ordem, seus receios e medos. 

Sobre os três, para além das grandes conquistas proporcionadas por suas mentes brilhantes, é possível notar que tiveram, cada qual em determinados momentos, atitudes questionáveis e até mesmo deploráveis, no campo da ética, do confrontamento aos seus detratores e no campo pessoal.

Albert Einstein (1879-1955): responsável pelas bases teóricas da bomba atômica, envolveu-se em política e jamais aceitou o princípio da incerteza como algo válido na física. 

Einstein envolveu-se com política, ao ponto de, mesmo tendo sido ateu durante toda sua vida, ter por questões pontuais e contextuais, apoiado o sionismo e a criação do estado de Israel. Foi-lhe oferecida, inclusive, a presidência do país, em 1952 - o que ele, prudentemente, recusou. Também foi responsável direto pelo desenvolvimento do projeto que levou à construção da bomba atômica - ainda que tenha passado o restante de seus dias pregando o pacifismo e a não utilização da energia nuclear em guerras. Também cometeu vários erros. O principal, talvez, tenha sido o fato de, mesmo com a evidência de sua teoria ter sido responsável pelo desenvolvimento do conceito de colapso gravitacional e do princípio da incerteza, ele ter renegado isso veementemente durante toda sua vida. 

Isaac Newton (1643-1727): o típico gênio irascível, cruel e sem escrúpulos, sedento de honrarias e poder
Newton é um pouco pior. É possível, sob certo aspecto, considerar seu comportamento como digno de um canalha, um mau-caráter. Era extremamente competitivo, vingativo e egocêntrico. Fez articulações políticas para se dar bem e assumir cargos importantes, como a presidência da Royal Society, e também para receber o título de cavaleiro real. Brigou abertamente com o astrônomo real John Flamsteed, que forneceu inúmeros dados responsáveis pelo desenvolvimento de sua obra mais importante, os Principia Mathematica. Depois de ter outros dados negados por Flamsteed, Newton passou a ter uma atitude vingativa contra ele, apagando sistematicamente quaisquer referências à Flamsteed nas edições posteriores dos Principia. Contra o filósofo Gottfried Leibniz, Newton foi ainda mais cruel: por coincidência, ambos haviam desenvolvido de maneira independente um ramo da matemática, o cálculo infinitesimal. No entanto, Newton publicou seu trabalho anos depois de Leibniz (ainda que hoje se saiba que Newton tenha desenvolvido o cálculo antes de seu rival). O fato do alemão ter recebido os louros causou fúria em Newton, e ele não poupou esforços para humilhar o filósofo, até que Leibinz fosse formalmente acusado de plágio, por um comitê da Royal Society (da qual, como se disse, Newton era presidente, e que foi formado somente por seus amigos). Quando o filósofo morreu, em 1716, Newton declarou que poucas coisas na vida o deixaram mais feliz do que ter "partido o coração de Leibniz". 
O filósofo Gottfried Leibniz (1646-1716) teve sua reputação destruída por Newton
(que afirmou ter tido enorme prazer com isso)
De Galileu, é notória sua submissão à Igreja e à Inquisição, tendo sido obrigado a renegar a teoria heliocêntrica, e depois disso, ter sido condenado à prisão domiciliar até o fim de sua vida. Mesmo assim, em nenhum momento Galileu renegou a fé católica, que o oprimiu, prejudicou seu trabalho e humilhou publicamente. Acovardou-se, e calou-se contra a estupidez dos cardeais e da Inquisição, ainda que suas ideias tenham sido difundidas e publicadas, num drible às imposições da Igreja.

Galileu (1564-1642) acovardou-se diante da Igreja e da Inquisição, mesmo tendo razão. Foi condenado à prisão domiciliar perpétua, e ainda assim, continuou católico.
O que quero dizer ao evocar essas histórias é que a vida das pessoas, em seus aspectos mundanos e banais, é muito parecida, sempre. Temos esses e outros exemplos de como grandes gênios podem ser grandes canalhas, ou grandes fracotes, no dia a dia. Mas o que fica é algo maior, é a consciência ou os atos que possam, de algum modo, levar ao crescimento da humanidade. Galileu, Newton, Leibniz, Einstein são pouco lembrados por suas facetas humanas e falíveis, mas sobretudo por suas ideias, que permitiram à humanidade avançar.

Eintein declarou, uma vez, que era "ingênuo demais" para a política, arrematando com essa frase, que para mim, resume a ópera: "Equações são mais importantes para mim, pois a política existe para o presente, ao passo que uma equação existe para a eternidade". 

Quero para mim o espírito desse pensamento, para que possa servir como consolo diante desses tempos estranhos, e também para deixar um pouco menos pesado o fato de eu estar comemorando meus 40 anos em meio a um golpe de gente torpe contra a democracia em meu país. 

Ainda assim, agradeço por tudo. 

E vamos rumo aos próximos 40! Sem medo de ser feliz. 

3 comentários:

  1. Grande! Prazer cruzar contigo nesta caminhada! Seguimos....

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  2. Parabéns André.
    Grande abraço
    Almir

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  3. Brilhante André, parabéns duplo: pelo post e pelo aniversário! Seu brilho só aumenta com o passar dos anos. Que venham os 40, os 50, os 60... caminharemos juntos nessa amizade, sempre em sintonia com o que há de mais importante nessa vida: o amor.

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